Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Tânia Alves

O uso das palavras em títulos jornalísticos deve primar pelo cuidado e rigor sóbrio de linguagem. Por isso, abordo hoje dois momentos diferentes, na semana passada, em que manchetes do O POVO foram alvo de críticas de leitores. O incômodo foi causado por interpretarem que o sentido colocado na frase ficou sem precisão. O primeiro caso aconteceu domingo, dia 14, quando a manchete apresentava: “Camilo prepara pacote de privatizações” (ver fac-símile). Leitor enviou email questionando o uso do termo “privatizações”. Para ele, o título deveria ser: “Camilo prepara pacote de concessões”. Já na quinta-feira última, 18, foi a vez de uma leitora, que também é jornalista, fazer uma postagem numa rede social sobre a manchete que naquele dia informava: “Aprovada redução da maioridade penal para crimes hediondos” (ver fac-símile). Na postagem, marcando alguns editores do jornal e também a ombudsman, ela elevou o tom do post para dizer que o título deixou de informar ter sido a aprovação na Comissão Especial da Câmara dos Deputados e que, para revalidá-la, ainda tinha um longo caminho a percorrer.

Em comentários internos, tenho indicado, em algumas ocasiões, exemplos em que o título, para ter total compreensão, depende de algum tipo de sustentação, como foi o caso da aprovação do relatório da maioridade pela Comissão. Se o leitor batesse o olho diretamente na manchete com letras pretas e não atentasse para o que estava escrito em azul na “cartola” (termo jornalístico para designar pequena linha de texto usada sobre o título para destacar informações da matéria) poderia entender que se tratava da aprovação final na Casa.

Na terça-feira passada, citei num comentário interno a definição de concessão utilizada na seção “Dicionário”, publicada numa matéria de Política. Nela existia uma diferença clara entre concessão e privatização. Estava escrito: ”Entenda o modelo de concessão: A concessão é um tipo de contrato entre o Estado e uma empresa privada por tempo determinado. Diferente da privatização, o bem público não é vendido. Ou seja, não há perda de patrimônio público. O governo concede uma licença para a exploração do serviço, mas o patrimônio continua com o Estado”. Ora, se o próprio jornal reconhece esta diferença, por qual motivo tem usado os dois termos para o tema? No caso da manchete de domingo, em nenhum momento o texto ou o governador falam em privatizar.

Situações diferentes

Em resposta, o diretor-adjunto de Redação, Erick Guimarães, considera as situações diferentes. Sobre o título da maioridade penal, diz: “É importante ressaltar que a manchete do jornal é composta por um conjunto indissociável: cartola e título, acompanhados de uma chamada. Suas partes não podem, nem devem, ser vistas isoladamente”. Sobre o segundo aspecto, reconhece que, a rigor, o governador Camilo Santana pretende aplicar um pacote de concessões de serviços do Poder Público. “Mas é inegável que a gestão desses serviços será feita pela iniciativa privada, ainda que a propriedade dos bens permaneça com o Estado. Haverá, portanto, a privatização da gestão, ainda que por um determinado período, e a natural expectativa de lucro por parte da empresa que vier a ganhar a concessão. Neste sentido, parece-nos cabível o uso do termo”, diz.

Ele enxerga, no entanto, uma questão política para a reclamação. “Há, é verdade, um embate em torno dessas palavras, uma vez que setores da esquerda brasileira historicamente rejeitaram a transferência de entes estatais para a iniciativa privada. Para fins de padronização, resolvemos adotar a palavra “concessão” para se referir ao pacote ora em estudo no Governo estadual, sem, no entanto, abrir mão do bom debate que a proposta provoca na sociedade”.

Sem pairar dúvida

Reconheço que existe um embate político em relação às palavras e até mesmo no que diz respeito à maioridade penal. Porém, a manchete deve ser informativa, clara e precisa. Sobre ela não deve pairar dúvida. É importante informar que a elaboração das manchetes do O POVO é resultado de um pensar coletivo, a partir de um colegiado de editores-executivos e adjuntos. Não surge do pensar de um único redator. Vale ressaltar ainda que a Redação tem feito uma cobertura exemplar sobre a redução da maioridade penal e do projeto de concessões elaborado pelo Governo do Estado. No caso específico das duas manchetes, considero que faltou um pouco de rigor. No domingo citado, seria mais preciso, de acordo com o texto publicado e o dicionário reproduzido acima, falar em concessões. Quanto ao título da quinta-feira passada, teria sido mais exato colocar “Comissão aprova…”. Naquele dia, o fato foi este.

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Tânia Alves é ombudsman do jornal O Povo