Um dos primeiros ensinamentos recebidos por todo estudante de jornalismo logo nos primeiros anos da faculdade ou já como estagiário de empresas de comunicação é a necessidade de ouvir o outro lado e, mais acertadamente, ouvir todos os lados. É regra básica e dever jornalístico haver contraponto nas matérias. Ensinam os compêndios e manuais de jornalismo espalhados pelas redações. No O POVO, na maioria das vezes, essa premissa é cumprida, mas em algumas ocasiões, tem escapado na apuração dos repórteres ou do crivo dos editores.
Foi isso que observei na matéria “A ‘caixa preta’ das verbas de parlamentares do Ceará”, publicada no O POVO.dom, do dia 2 passado. A matéria sobre a falta de transparência na verba de desempenho parlamentar da Câmara Municipal de Fortaleza e Assembleia Legislativa do Ceará carece de um contraponto dos presidentes das duas casas legislativas ou de um outro representante delas, se fosse o caso. O texto chega a reproduzir uma frase do presidente da Câmara, vereador Salmito Filho (Pros), falando sobre o assunto numa entrevista recente. Entre uma conversa de alguns dias e hoje, o contexto pode ter mudado, situação tão comum no mundo turbulento da política de agora. Quanto ao presidente da Assembleia, Zezinho Albuquerque (Pros), sequer se menciona a tentativa de ouvi-lo.
No dia 29 de julho, na matéria “Preso pai do programa nuclear brasileiro”, Editoria Política, já havia chamado a atenção de como é embaraçoso para nós, jornalistas, ler uma matéria de uma pessoa presa por ser suspeita de receber propina, no caso do presidente licenciado da Eletronuclear, o vice-almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva. A única referência de defesa, uma linha no meio do texto, que dizia: “Othon, no entanto, tem negado o recebimento de pagamento ilícitos”. A matéria veio de agência, que o jornal mantém contrato, mas a responsabilidade em publicá-la é do O POVO. Se a agência não havia se importado com este detalhe, caberia ao editor da casa ir em busca da defesa do suspeito e publicá-la.
A EXPLICAÇÃO
Citado para se pronunciar sobre o assunto, o editor-executivo do Núcleo de Conjuntura, Guálter George, considera as duas situações diferentes. “Na primeira, relacionada à prisão do Almirante Othon, trabalhamos com agências de notícias e a informação que recebi do jornalista responsável pela edição do material é de que até o fechamento nada havia chegado como manifestação de advogados ou defensores do militar. Quanto o segundo caso, houve tentativas de contato com as assessorias de Comunicação da Câmara e da Assembleia. No caso da Câmara, apenas reafirmou-se o que já tinha sido dito antes acerca do tema VDP, levando o autor da matéria à opção de reproduzir declarações anteriores do presidente Salmito Filho. Já em relação à Assembleia ofereceu-se um conjunto de declarações genéricas, avaliadas como pouco aproveitáveis à discussão proposta na pauta. Até porque, perceba que o cenário lá é apresentado como positivo, registra avanços no quesito transparência, o que entendemos fazer da inclusão da palavra oficial da Casa uma possibilidade, não uma necessidade.”
CONTRADITÓRIO
Nos dias de hoje em que reputações podem ser jogadas na lama em questão de segundos, a partir de uma simples postagem nas redes sociais, aumenta a nossa responsabilidade em colher dados, escrever, editar e publicar notícias. Ouvir o contraditório não é uma somente uma peça para constar no rodapé das matérias produzidas por aqui ou para servir de decoração. É iniciativa essencial para se construir textos jornalísticos. Se houve a tentativa de falar com as duas casas em relação à VDP, não ficou claro na matéria publicada. A explicação dada pelo editor-executivo fez falta no texto. Por isso, considero que nos dois casos citadas acima, a apuração falhou em princípio básico que rege as regras do bom jornalismo.
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