“O trabalho do jornalismo deve ser regido, acima de tudo, pelo princípio da responsabilidade social das informações que o profissional coleta e transmite. Informar bem é um serviço público, de sustentação da democracia e da cidadania. Para tanto, a melhor notícia – o fato comprovado, relevante – a ser perseguida pelo jornalista é aquela que tem condições de gerar consequências para o mundo, para a sociedade ou para a maioria dos leitores”. O parágrafo acima faz parte da apresentação do capítulo “Normas jornalísticas do O POVO”, do Guia de Redação e Estilo, de autoria de Gibson Antunes. Lembrei-me deste item do livro, elaborado para ser referência na construção de notícias por aqui, durante dois momentos na semana de retorno após as férias.
O primeiro, na quarta-feira passada, por causa da escolha da manchete da página 4, em Cotidiano. Naquela edição, os editores optaram por apresentar, como matéria principal do espaço, uma ação de iniciativa de um banco comunitário de Maracanaú sobre combate à violência, deixando em segundo plano um texto que abordava comentário do governador do Ceará, Camilo Santana, defendendo que só podem ser “brincadeira” as informações de pacificação entre grupos de criminosos rivais em Fortaleza. Era a primeira vez que o governador tratava do assunto. Minimizamos um tema que havia merecido, durante os últimos dias, uma manchete do jornal e uma reportagem na edição do O POVO de 31/1.
O segundo momento que me reportou para o trecho do manual ocorreu na quinta-feira passada (4/2), quando li o título da manchete de Radar, página 12, que dizia: “Dilma é alvo de panelaços novamente”. Ao priorizar como principal ponto da matéria o panelaço, faltou ao editor da página sensibilidade para enxergar um assunto que é de muito mais interesse público: o Aedes aegypti e suas consequências – zika, microcefalia, dengue e chikungunya. O combate ao mosquito transmissor das doenças foi o assunto abordado pela presidente no pronunciamento feito aos brasileiros naquela noite. Já não era sem tempo.
A EXPLICAÇÃO
Por meio de redes sociais ou e-mail, leitores se pronunciaram sobre a abordagem da matéria e atentaram que, neste caso, a vertente deveria ter sido outra. Foi o caso da leitora que enviou mensagem eletrônica estranhando o tema principal do texto. “Será que este seria o assunto preponderante na notícia? A manifestação de algumas poucas pessoas ou o mais importante seria o pronunciamento em si? Não estou dizendo que as manifestações não devessem ser relatadas na matéria, mas o título ser o panelaço, não concordo e envio minha crítica ao jornalista que definiu este título”.
Solicitei aos editores das duas áreas justificativas para a escolha do assunto da manchete, em Cotidiano, e da abordagem em Radar. Recebi sobre a primeira o seguinte comentário do editor-executivo do Núcleo Cotidiano, Érico Firmo: “Os dois assuntos são fortes e seriam boas manchetes de página. Isso é bom para o leitor. A matéria escolhida para ser a menor, por um lado, era desdobramento de história que acompanhamos por dias e reproduziu posição que o governo já vinha manifestando havia uma semana. Além disso, o assunto pôde ser praticamente esgotado no espaço que havia. O outro teria de ser sacrificado. A história do banco comunitário que sentiu os impactos da violência e decidiu atacar o problema pela educação me parece uma outra forma, mais surpreendente e inusitada, de abordarmos o mesmo tema, da segurança.” Do Núcleo de Negócios, que editou a Radar naquele dia, não recebi explicação.
AGENDA DE INTERESSE
Nos dois casos citados acima, foi perdido o foco de apresentação de notícias com agenda baseada em interesse público. Embora entenda que selecionar e editar notícias sejam sempre uma difícil decisão. A fala do governador naquele dia sobre a possível pacificação de grupos rivais era inédita, mesmo que gestores ligados à segurança já tivessem se manifestado sobre o tema. O alcance dela também era mais amplo. Até mesmo a cobertura que O POVO vem fazendo sobre o tema demandava que o assunto fosse apresentado com maior destaque.
No segundo caso, ao privilegiar o panelaço em detrimento do teor da fala da presidente, deixou de se levar em conta que o Brasil trava uma dura batalha conta a microcefalia; que os casos mais graves de zika estão sendo no Ceará (como está na entrevista Páginas Azuis da segunda-feira passada com o presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha) ou que a dengue matou pelo menos 66 pessoas no ano passado no Estado. Era um assunto nacional, mas essencialmente local. O panelaço contra uma autoridade, mesmo sendo de alguns poucos, também é notícia, mas falta nele ineditismo e, naquele dia, não se deu por estas bandas. Além disso, jornalisticamente, pelo momento, pela responsabilidade social, é um dever bem informar sobre as iniciativas de combate ao Aedes aegypti. Até mesmo para cobrar o cumprimento depois.
ERRAMOS DE JANEIRO
Apresento em quadro nesta coluna os erramos publicados no mês passado. O levantamento é elaborado, mensalmente, pelo Banco de Dados do O POVO. De acordo com o Guia de Redação e Estilo do jornal, na seção “devem ser privilegiados os erros de informação, créditos, fotos e erros graves de português cometidos em títulos e resumos de matérias”. Não destaco o quadro de atendimento ao leitor, pois estava de férias em janeiro.