Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Tânia Alves

Participei na quinta e sexta-feira passada (18 e 19), no Museu da Imagem do Som (MIS), em São Paulo, de seminário que comemorou os 95 anos do jornal Folha de S. Paulo. Foram dois dias de intensos debates sobre o fazer jornalístico no presente, com o pensamento voltado para o amanhã. Entre muitas incertezas sobre plataformas, impresso, meios digitais e revistas, os debates apontaram que o futuro do jornalismo só pode estar no jornalismo. Bem feito, com isenção, com menos certezas e mais apuração em busca do fato real.

O professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP) Eugênio Bucci, no debate sobre “Novas formas de informar!”, destacou alguns pontos como desafio para a informação sólida em meio a uma enxurrada de canais que também transmitem dados. Entre eles, a implantação de núcleos de estudo como método para aprofundamento e apuração das notícias; a internacionalização do conteúdo, por meio da cooperação entre países ou regiões; e prestar mais atenção não aos fatos, mas aos nexos, aos vínculos, que ficam aparentemente escondidos.

O professor também citou que o jornalismo deve tratar o entretenimento como ele é, fruto da indústria, e não como notícia. Os jornalistas devem lidar com todos igualmente para que seja preservada a credibilidade. É a isenção na hora de apurar a notícia seja de onde vier ou para onde for. Por fim, honrar a língua na hora da escrita. Considerei pertinentes os pontos enumerados pelo professor, que na verdade nada mais é do que a essência do jornalismo.

No debate com o tema “Erramos – ex-ombudsmans discutem o direito de resposta”, que reuniu a atual ouvidora da Folha de S. Paulo, Vera Guimarães; e dois ex-ombudsmans do jornal paulista, Caio Túlio Costa e Júnia Nogueira de Sá; do qual também participei, ficou claro que, de uma maneira geral na imprensa brasileira, ainda se precisa avançar na cultura de admitir e corrigir erros. Sobre a Lei de Direito de Resposta (13.188, de 11 de novembro de 2015), ficou explícito que ela é necessária, mas o debate ainda precisa e pode avançar. Até mesmo dentro das empresas jornalísticas.

AS CARTAS DE JOÃO PAULO II

Semana passada, O POVO publicou matéria na editoria Mundo com o título “Papa João Paulo II manteve forte amizade com filósofa casada” (Fac-símile). A matéria é de agência e também foi postada no Facebook do O POVO com um vídeo – também da TV Francepress. A notícia foi inicialmente veiculada na televisão britânica BBC. A postagem do texto, na rede social do jornal, gerou intensos comentários de usuários. A maioria das postagens de leitores era de críticas à matéria, classificada como notícia sensacionalista ou postagem em busca de audiência.

O vídeo apresentado tem uma conotação de dúvida quando diz: ‘mais que amigos e menos que amantes’. Abrir um leque de suposições sobre a vida de um líder mundial, independente de ser católico ou não, é no mínimo irresponsável”, postou um usuário. Em outro comentário, deixado na matéria publicada no O POVO Online, o leitor mostrou indignação com o teor da notícia. “Prezados, respeito muito a opinião dos outros, quando vejo sinceridade. Entretanto, como católico, não posso deixar de ver esta matéria como uma ‘insinuação’ de algo que ninguém comprovou, portanto, injusta e, aparentemente, apelativa. Uma busca desesperada por atenção.”

Os usuários têm razão. Muitos dos comentários, reconheço, foram feitos a partir da reação de católicos que reverenciam a figura de João Paulo II, considerado santo pela Igreja. No entanto, a santidade do papa não vem ao caso. Eles estão corretos em se queixar da maneira como a notícia foi redigida nas diversas plataformas. A descoberta da correspondência de um papa é notícia, sim, pois ele é um homem público, de influência mundial. As cartas eram inéditas e verdadeiras, mas o tom de boato dado ao fato soou estranho. Houve um esforço para mostrar como verdade que o papa tinha mais que amizade com a filósofa. Ficou no limite entre notícia e fofoca.

Tomei conhecimento do teor da matéria no Jornal Nacional da segunda-feira passada (15/2). Assim lá como no O POVO, a notícia focou mais no escândalo de uma “filósofa casada” do que na descoberta única das cartas em si. Ao utilizar no texto as expressões “forte amizade” ou “amizade intensa”, há uma clara insinuação. O conteúdo do jornal ressalta que João Paulo II deu de presente para a filósofa um escapulário, como se fosse um bem muito precioso. Nada mais simbólico para quem professa a fé católica. O mesmo acontece com a narração do vídeo que informa ter dito o jornalista que deu o furo de reportagem que eles eram “mais que amigos e menos que amantes”. Totalmente desnecessário.

No dia seguinte, quarta-feira, 17, a editoria Mundo editou um conteúdo, também de agência, com o diretor do arquivo onde as cartas foram encontradas em que ele fazia críticas ao tom sensacionalista do primeiro texto. No vídeo, as ilações permaneciam com a amizade entre os dois sendo chamada de intensa. A cobertura não foi boa. Ao decidir publicar o texto da agência, O POVO não pode descartar a responsabilidade no trato da matéria. Era necessário ter mais cuidado no uso de expressões ao editar o conteúdo.