A manchete do O POVO de terça-feira passada (5/7) – “Apreendida em Fortaleza droga que induz ao canibalismo” (ver fac-símile) – resultou em reação negativa de leitores. Eles se posicionaram enviando emails ou postando comentários nas redes sociais. Um deles mandou mensagem informando que o conteúdo o deixou desconfortável “por conta do evidente e barato sensacionalismo, algo que não costumo ver no jornal”. Ele anexou dois artigos colhidos na rede, em que pesquisadores desconsideram a relação entre a droga (metilona) e a indução ao canibalismo. “Uma busca simples no Google desmentiu a relação entre a droga e o suposto efeito canibal. De qualquer modo, a ocorrência de um caso isolado não seria conclusivo suficientemente para afirmar a relação da droga com tal efeito, como dito (e aparentemente sem dúvida alguma) na manchete”.
Outro leitor entrou em contato pelo Twitter e depois enviou mensagem para demonstrar contrariedade com a manchete que ele classificou de “irresponsabilidade”. “O exagero no tratamento da imprensa ao tema das drogas, há décadas, tem sido uma das razões pelas quais não temos políticas de drogas racionais e baseadas em evidências. Ao semear o pânico com informações não embasadas, criamos um clima de pânico moral que aumenta o preconceito dos usuários de drogas que precisam de cuidados em saúde e estigmatiza usuários não problemáticos, justificando a tal ‘Guerra às Drogas’ que tanto encarcera, mata e não resolve o ‘problema das drogas”. Ele também enviou artigo em inglês que nega a existência da droga com o canibalismo. As críticas vieram também na rede social Facebook, em que os leitores criticaram a falta de profundidade da matéria.
O incômodo dos leitores faz sentido. Naquele dia, a certeza que estava cravada na manchete do O POVO não tinha sustentação científica. Nenhum especialista da área foi consultado. O texto contava com fonte única, a delegada da Divisão de Combate do Tráfico de Drogas. Pior – foi O POVO quem assumiu assertivamente a associação entre a droga e o canibalismo. Relato de um caso foi transformado em verdade, nas páginas do jornal quando artigos de pesquisadores já o haviam descartado. No mesmo dia da publicação do conteúdo, em entrevista à Rádio O POVO/CBN, o médico psiquiatra Valmir Silveira fez cair por terra a certeza da manchete, ao informar que droga nenhuma induz a comportamentos específicos. “O que pode acontecer é que a pessoa já tenha alguma tendência e, com o uso da droga, essa tendência pode ser desinibida”. O assuntou virou matéria no O POVO Online.
O esclarecimento que foi feito pela Rádio e repercutido, acertadamente, no online, foi solenemente descartado pelo O POVO. Até a sexta-feira passada, o leitor do impresso não tinha recebido a informação mais acertada de que pesquisadores entendem ser pouco provável a associação entre a metilona e o canibalismo.
RESPOSTA DO EDITOR
Enviei email para a Redação para pedir explicação sobre a matéria e a manchete. O editor-executivo do Núcleo Cotidiano, Érico Firmo, assim respondeu: “Erramos ao não atribuir à Polícia a informação da indução ao canibalismo. Nós não nos restringimos à informação da Polícia. Buscamos mais elementos. Mas erramos ao não atribuir a informação como ponto de partida.” O editor reconheceu que devia ter feito menção à fala do Valmir Silveira, mas explicou que havia limitação de espaço “e controvérsia um tanto complexa entre defesa e Polícia, que julgamos merecer prioridade”.
O incômodo dos leitores foi o mesmo que senti quando li a manchete. O conteúdo foi exagerado ao extremo e não tinha sustentação científica. O POVO ajudou a disseminar um tema sem comprovação. Para bancar uma informação do tipo, em jornalismo sério, é preciso mais do que palavras de agentes da lei. É necessário embasamento de fontes científicas confiáveis. Até o fim da tarde do último dia 8, a matéria inicial publicada no Facebook tinha 2.059 compartilhamentos, 3.800 curtidas e reações. O segundo conteúdo, “Nova droga apreendida não necessariamente induz ao canibalismo, diz psiquiatra”, não fez o mesmo sucesso. Até a mesma data, tinha 24 compartilhamentos e 129 curtidas e reações. O estrago já estava feito.
SEM COLUNA E COM AVISO
Desde o dia 20 de junho, o Vida & Arte estampa no alto da página 2 a informação de que a jornalista Sônia Pinheiro está de férias e voltará a escrever a coluna a partir do dia 20 de julho. O aviso tem o devido destaque, mas não foi capaz de amainar o espírito de uma leitora que, na semana que passou, expressou o seu descontentamento.“Me espantou não ter um colunista social para substituir a Sônia (durante as férias). Não me conformo. É um absurdo”.
Expliquei para ela que, desde o ano passado, O POVO abraçou a política de não substituição de colunistas durante o período de férias. A exceção é a coluna Vertical, que, embora seja assinada pelo jornalista Eliomar de Lima, também é de responsabilidade da Redação. Fica transparente para o leitor quando o jornal mantém o aviso da descontinuidade das colunas durante o período de férias dos colunistas. Por outro lado, o usuário que criou o hábito de ler o conteúdo tem todo o direito de reclamar ao deparar com a mudança de costume.