A coluna “A Mecânica”, publicada nas páginas de Veículos, às terças-feiras, foi motivo de manifestação de uma leitora que escreveu um longo email, enviado à ombudsman, para criticar o uso da imagem de uma mulher, sem que ela tenha relação com o contexto da notícia. Ela observou que a foto que ilustra a coluna, em que a moça aparece com roupa e posição sensual, e as respostas, que começam por “Oi, gatinho” e termina com “Ok fofo? Beijinho”, são capazes de criar um imaginário de que a mulher, além de entender de carros e ser bonita, poderia estar interessada por eles (homens). “É absurdo também que, em pleno século XXI, com tantas campanhas feitas pela não objetificação da mulher, um jornal conceituado da Cidade publique uma coluna desse tipo. O Jornal O POVO tem uma proposta totalmente diferente de outros jornais, algo mais cultural e que chega mais próximo da realidade e do dia a dia das pessoas. Me impressiona muito que vocês aceitem isso.”
Ela questiona ainda se o conteúdo é patrocinado, pois as respostas citam o nome dos mecânicos e das empresas onde eles trabalham. “Será mesmo que O POVO precisa anunciar uma coluna dessa forma? Precisaria mesmo usar a imagem de uma mulher apenas para chamar atenção dos homens? Precisa compactuar ainda mais com os machismos que sofremos todos os dias? Precisa ver apenas o lado financeiro e não o bem-estar de todos?” No fim, reflete: “Só com a ajuda da mídia, podemos lutar para acabar com preconceitos e machismos impostos pela sociedade”. Ela pede ainda que a coluna seja revista.
A leitora está com razão em questionar o uso da imagem da garota “sensualizando” para responder a perguntas que interessam a qualquer motorista. Independente de ser homem ou mulher. Não é a primeira vez que a coluna “A Mecânica” gera debate. Em reuniões do Conselho de Leitores, ainda no ano passado, e neste ano, o assunto já foi motivo de críticas por parte de uma conselheira, que não se sente confortável com a estética e a falta de contextualização consistente entre a foto e o conteúdo das notas. O desconforto faz sentido.
Não existe necessidade de se criar um personagem com imagem clichê para responder dúvidas sobre carros. O uso da linguagem, pretensamente informal, parece querer criar uma proximidade sem propósito, que nada acrescenta às informações. O conteúdo das perguntas e das respostas tem o caráter de serviço – portanto, é jornalístico e editorial. Interessa a muita gente. A forma, com o uso da imagem sensual e a pretensa intimidade das respostas, é que deixa a desejar. Diante do empoderamento feminino, está fora de moda. A foto funciona como um faz-de-conta que não devia existir em jornalismo.
Enviei mensagem para o Núcleo de Negócios com pedido de resposta sobre a crítica da leitora. O editor-executivo de Negócios, Jocélio Leal, enxerga a crítica como uma visão equivocada e limitada de gênero. Para ele, a imagem da mulher não chama somente atenção dos homens. “Fazemos da coluna um canal importante de esclarecimento sobre dúvidas cotidianas de motoristas, de ambos os sexos. ‘A Mecânica’ preza pelo rigor das orientações que apura com suas fontes, sempre profissionais respeitados de oficinas idôneas. A linguagem é informal e bem humorada, desde sua estreia, em julho de 2013.” Por fim, destaca que a coluna não é paga, é editorial e que muitas vezes é apurada e editada por jornalistas mulheres.
“PORQUE É 2015”.
Após ler a mensagem enviada pela leitora, me veio à mente uma resposta do primeiro-ministro do Canadá, o liberal Justin Trudeau, durante entrevista, após tomar posse, em novembro de 2015. Na ocasião, Trudeau respondeu de forma irônica à pergunta por que a igualdade de gênero era tão importante para ele.
– “Porque é 2015”. O gabinete dele é composto por 30 integrantes; metade deles, mulheres. A resposta do primeiro-ministro vale também para o jornalismo. Em 2016, não se precisa destes estereótipos para conquistar leitores, engajamento ou o que o valha. Especialmente no O POVO, que, conforme disse a leitora, tem o espírito próximo da realidade. “A Mecânica” é uma coluna que parou no tempo. Carece ser revista.
ESCÂNDALO DOS BANHEIROS E A MANCHETE
Na segunda-feira passada (11/7), O POVO iniciou uma série de matérias especiais para lembrar os cinco anos da denúncia de desvio de dinheiro público no Ceará, conhecido como “Escândalo dos Banheiros”. A cobertura feita pelo O POVO, com início em 2011, foi um marco no jornalismo cearense. O conteúdo especial desta semana começou informando sobre nova denúncia que incluía um ex-deputado e ainda que o dinheiro desviado pagou imóvel e show de forrozeiro; passeou por memória do caso, contou sobre cancelamento de convênios; e lembrou o drama de quem até hoje espera pelo kit sanitário prometido que não veio.
O esforço feito para a cobertura especial parece que não sensibilizou os editores responsáveis por definir a manchete do jornal. No primeiro dia da publicação do Especial, O POVO veio com a manchete de primeira página “Cresce o número de motoristas com carteira suspensa”. Deixando para a dobra de baixo da capa a chamada para a cobertura especial. Foi uma escolha equivocada, tanto pela novidade como pela representatividade da cobertura anterior para o jornalismo cearense.