Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Tânia Alves

Duas situações me chamaram a atenção na semana passada por, aparentemente, não terem conexão. Mas que se relacionam, se for levada em consideração que fazem parte daquilo que se pretende mostrar para o leitor ou internauta, na intenção de que ele se interesse, leia e veja. A primeira diz respeito à manchete do jornal da terça-feira, dia 26, “A saúde pública que supera a crise”. Recebi na lista interna de e-mails um comentário enviado por uma repórter, que reproduzia a observação de um leitor se dizendo impactado positivamente pela notícia, a ponto de parar para comprar o jornal daquele dia. A segunda se reporta a um vídeo publicado no Portal O POVO Online. Na gravação, um funcionário da Prefeitura de Pacajus é executado diante das câmeras. É uma morte brutal. No Facebook, a filmagem foi anexada a um link que remetia à notícia original. De um funcionário do grupo, recebi um e-mail, também endereçado a outras pessoas, em que se dizia incomodado, considerando desnecessária a publicação.

O vídeo havia se espalhado pela rede. Por aqui, figurou no topo da lista das mais lidas do Portal e, no Facebook, recebeu mais de 158 compartilhamentos, 903 curtidas e 91 comentários. A maioria falava “crueldade, estarrecimento, triste realidade, assassino frio, maldade”. No meio daquilo tudo havia, “Nem assisto mais jornal, pois só tem violência e corrupção, agora acho que vou deixar de ler notícias nesse Face também”. E esses dois deixados na matéria do Portal: “Postar um vídeo desses é faltar com respeito com a dignidade do ser humano. Digna de repúdio a atitude de vocês” e “Jornal O POVO fazendo coro com a violência”.

Convergência

Aqui o leitor que naquele dia telefonou para a Redação e elogiou a manchete positiva se junta aos internautas que desejam uma cobertura mais abrangente, que fuja do efeito manada – se todo mundo “deu”, nós também vamos publicar – que vá em busca de soluções, que enxergue o diferente e tenha capacidade de fugir da mesmice. Naquele dia, a página da rede social do O POVO publicou o vídeo, mas deixou de postar a manchete sobre a saúde.

Citada pela ouvidoria para comentar, a editora-executiva do Núcleo do Portal O POVO Online, Juliana Matos Brito, reconhece que o vídeo é violento. Explica que a publicação no Portal foi uma forma de chamar atenção para a gravidade da situação: um funcionário de fiscalização de uma Prefeitura ser executado em plena luz do dia. Ressalta que orientou para que o vídeo fosse veiculado nas redes sociais, apenas em link. “Quem o quisesse verificar, tinha de clicar para abrir a matéria e assistir no Portal. Foi uma forma de não colocarmos algo tão violento automaticamente na cara do leitor.”

Reflexão e coragem

A manchete positiva sobre a saúde pública que impactou o leitor veio depois de várias de cunho negativo ao longo de semanas recentes sobre o mesmo assunto. Ninguém há de negar que se tem um momento difícil no setor, com hospitais superlotados, filas de espera que tornam necessárias coberturas melhor dirigidas para a área. A violência do dia a dia também exige olhar jornalístico mais atento como acenaram os internautas. Nos dois contextos, a cobertura precisa ser diferenciada, levar à reflexão e não somente buscar cliques e compartilhamentos a qualquer preço.

Sei que na predominância das redes sociais, está cada vez mais difícil escolher, indicar e elaborar conteúdos para o leitor, vez que ele está mais proativo. E nesse protagonismo os vídeos se multiplicam como canal de informação. Mas postar a filmagem de uma execução não deveria fazer parte do menu de um jornal que tem entre suas seções o “Tempo das delicadezas”, cuja função é apresentar, periodicamente, conteúdos embutidos de sensibilidade e leveza. Aqui não se deseja criar uma realidade “falsa” de só publicar notícias boas, mas que se esteja aberta a elas como enxergou o leitor que se encantou pela manchete da saúde do dia 26. Em busca da diversidade de conteúdo, também é preciso coragem para trocar, na pauta de segurança, as abordagens que beiram o sensacionalismo por tratamento mais humanizado e crítico.

***

Tânia Alves é ombudsman de O Povo