TELEVISÃO
‘Lost’: o vale tudo para prolongar a série
‘Dá uma olhada na foto. Não falei que a TVA caminha com determinação para se transformar em uma empresa totalmente dedicada à arte? TVArte?
Semana passada mencionei a digitalização das imagens, do clima de video-arte que ela cria em nossas salas de TV.
Pois o técnico foi até minha casa e criou essa ‘instalação’ em minha sala. Coisa de Bienal. ‘Chama o cara de novo, chama o gerente, chama o dono!’ bradou minha esposa. Não, disse eu ainda encantado. Eu vou chamar o curador da Documenta, de Kassell.
Enquanto não consigo contatá-lo, assino a NET. Dizem que são menos criativos mas, no momento eu me sentirei feliz se puder apenas e tão somente assistir a programação da TV pela qual pago.
Falando nela, não gostei das mudanças no canal Boomerang. Todas corretíssimas. Talvez agora se transforme em um canal infantil e deixe de ser, para minha tristeza, um canal para adultos nostágicos. Os clássicos continuam a partir da meia-noite. Mas a perda maior, no meu caso, é não poder assistir aos velhos desenhos com minhas filhas e a partir deles contar um monte de histórias.
Contar que acreditávamos de fato que no ano 2000 seríamos Jetsons; que sonhávamos com filés de brontossauro iguais aos que o Fred Flintstone comia; que nunca estranhamos o fato de Dom Pixote ser um cachorro azul – mesmo porque a TV em cores só apareceu por aqui no final dos anos 60 – e que demoramos muito para descobrir que Hanna Barbera não era uma mulher, mas dois homens. Soa estranho e não me peça explicações, mas eu adorava preparar um sanduíche de maionese com catchup para ver o Johnny Quest.
Mas como diriam Tom Jobim e Vinicius de Moraes, chega de saudade. Sem querer fazer trocadilho, ando meio perdidão com essa nova temporada de Lost. E não só eu. Me parece que os roteiristas e diretor também. Está valendo de tudo para que a série se prolongue por mais 117 temporadas sem que jamais se desvende todos os mistérios da ilha. Não vou estranhar se no final eles acabarem encontrando Ricardo Montalban e Tatoo que dirão: ‘Bem-vindos à Ilha da Fantasia’.
Desconfio também que o produtor de casting mudou. Essa nova turma tem carisma zero. Torço a cada episódio para que aquela moça forte e determinada, meio Rambo, meio A Diarista, encontre com o monstro, que nunca se vê, do Surface, ou com o alien aquático, que nunca se vê, do Invasion, ou que seja abduzida pela turma, que se vê e dá medo, dos Aliens espaciais do Taken.
Enfim, grandes mistérios não faltam na TV. Alguns mais sérios estão sendo discutidos no Super Pop, sob a batuta firme, lúcida e imparcial de Luciana Gimenez. Mas isso fica para próxima semana.
Márcio Alemão é publicitário, roteirista, colunista de gastronomia da revista Carta Capital, síndico de seu prédio, pai, filho e esposo exemplar.’
CRISE POLÍTICA
O passado não se apaga
Francisco Viana
‘Se o tema for reputações, é ilustrativo saber o que Borges tem para contar. Chi Hoang-ti assumiu o poder na China por volta de 238 a.C e logo tomou uma decisão que marcaria sua história como uma sombra: mandou queimar todos os livros do império com a pretensão de apagar o passado. Em especial o passado da rainha-mãe, que tivera um filho ilegítimo, e, também, as acusações contidas contra ele nos livros canônicos pelo abuso extremo da violência. Mas, como se sabe, o passado continuou a perseguí-lo, mesmo tendo ele condenado à morte ou a trabalhos forçados na Muralha da China, obra da sua lavra, todos aqueles que se rebelaram contra seus desígnios e mantiveram viva a memória chinesa.
No Brasil dos dias atuais, não são poucos os que ambicionam ter a força ou o condão de banir o passado de cena. A leitura dos jornais ajuda a compreender parte da história. É um quebra-cabeça que, por exemplo, pode ser montado a partir do mensalão, agregar a quebra ilegal do sigilo bancário do caseiro Francenildo dos Santos Costas e a seguir a polêmica que envolve os vestidos presenteados à então primeira-dama do Estado de São Paulo, a mulher do ex-governador Alckmin, hoje candidato à presidência. Casos como estes se repetem no País desde o início da redemocratização nos anos 90, como se fossem vidros num caleidoscópio. Mudam os enredos, mas a natureza dos personagens é a mesma. O elo comum é que todos teimam em não acordar para o fato de que a opinião pública brasileira está renascendo.
Nesse fato, tão visível no noticiário cotidiano, mas tão teimosamente recusado, é que se encontram a raiz do impasse e o motor da máquina trituradora de reputações que ganha forma e demole cabeças coroadas. Não que os personagens envolvidos no caleidoscópio sejam cegos. Eles apenas estão com a mente no Brasil colonial ou no Brasil do regime autoritário, mas vivem num país onde agora existe ampla liberdade de expressão. O problema é que a liberdade está batendo de frente com instituições arcaicas ou semi-arcaicas que muitas vezes reúnem elementos da democracia, mas não são democráticas. Resultado: as irregularidades logo afloram, ganham espaços na mídia e instauram um ciclo sem fim de eterno retorno das denúncias.
No desespero, os envolvidos optam invariavelmente por dois ou três caminhos. Uns se recolhem ao silêncio e criam para si um universo panglossiano, como se a sociedade falasse com ele pela linguagem dos anjos – amável, suave e despojada de críticas. Outros passam à ofensiva esgrimindo argumentos da ética, da moral, da justiça, todos ocos como um anel quando não associados aos fatos. E, por fim, há aqueles que recorrem ao argumento de sempre: a culpa é do denuncismo da imprensa.
Por trás das diferentes argumentações há sempre um assessor-consultor de imprensa. Eles são cúmplices do espetáculo? Nem sempre. Em situações de crise, o assessor-consultor é o advogado do cliente perante a opinião pública. Cabe a ele orientar a construção de argumentos sólidos, alicerçados em fatos e mensagens que não comportem contestações. Cabe a ele avaliar o cenário e alertar o cliente para as peculiaridades do momento democrático. Essa é a teoria. A prática nem sempre é assim. Há clientes que não ouvem os assessores e há assessores que se tornam cúmplices de clientes com a mente no passado. A conseqüência quase sempre é letal para suas reputações, como foi a divulgação dos extratos bancários de Francenildo, ao arrepio da lei.
Cabe aqui uma outra reminiscência histórica. Maquiavel, republicano e democrata que primeiro estudou o Estado Moderno, já nos idos do século 16, foi também um conselheiro. Objetivo, sensível, leal. Apesar disso, seus ensinamentos, a começar pelo livro O Príncipe, só foram reconhecidos muito depois da sua morte. Assessores e assessorados deveriam reler Maquiavel, refletir sobre o relato de Borges sobre Chi Hoang-ti em A Muralha e os Livros. Talvez, assim pudessem entender melhor que no Brasil o Estado Patrimonial, isto é, propriedade de senhores, embora ainda persistente em alguns aspectos, há muito deixou de ser uma realidade absoluta.
Pelo contrário, a cada dia surgem novos grupos de pressão, as fontes de produção jornalística se multiplicam e nasce também uma nova reflexão em torno do Estado e das suas relações com a sociedade. Nesse contexto, muda radicalmente o papel do assessor-consultor de comunicação. Ele tende a firmar-se como um conselheiro especial a lidar com um tema que, se negligenciado, torna-se pura glicerina: a utilidade da comunicação. A comunicação que serve ao debate criativo e à construção da democracia. Caso contrário, também estará condenado a viver no passado, despojado do ouro do respeito e da reputação positiva.
Francisco Viana é jornalista e consultor de empresas.’
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