Folha de S. Paulo, 28/3 Rubens Fernandes Junior Fotografia de Thomaz Farkas provocou nova maneira de ver Na última sexta-feira, a fotografia brasileira perdeu o seu maior entusiasta: Thomaz Farkas (1924-2011). Também o cinema perdeu a inteligência e a sensibilidade de um dos nomes mais emblemáticos da imagem criativa da segunda metade do século 20. Trabalhamos juntos na Coleção Pirelli-Masp por 20 anos e em muitas outras oportunidades. Desde o início dos anos 1940, quando participa do Foto Clube Bandeirante, sua vida foi pautada pela criação e propagação da fotografia brasileira. Em 1949, realiza a primeira exposição de fotografia do Masp. No começo dos anos 1970 publica uma revista mensal que durante anos foi referência para toda uma geração de fotógrafos brasileiros. Em outubro de 1979, concretiza a Galeria Fotóptica, especializada em fotografia. Tornou-se um empreendedor cultural muito antes da era dos patrocínios e dos burocratas da cultura. Também foi professor da USP, presidente da Cinemateca Brasileira e membro do Conselho da Bienal Internacional de São Paulo. Ele sempre explicitou sua preferência pela fotografia documental e pelo fotojornalismo. Com sabedoria, defendia a fotografia como uma possibilidade de expressar as emoções humanas. Sua simplicidade de análise significava que, independentemente dos procedimentos utilizados, a imagem jamais deveria estar associada a justificativas e explicações, pois qualquer tipo de verbalização retira da fotografia o seu mistério. ‘A fotografia emociona ou não emociona’, dizia. Sabemos hoje que Farkas foi um dos mais criativos fotógrafos da chamada Escola Paulista, mas, ao assumir a direção da Fotóptica, centrou sua energia num arrojado projeto de fortalecimento da marca durante décadas. Imerso neste mundo do trabalho, sem nunca se desvincular do cinema e da fotografia, seu trabalho fotográfico reaparece somente nos anos 1990 e se insere definitivamente na cronologia da fotografia brasileira. AMADOR Após exibir, valorizar e publicar centenas de fotógrafos é que, timidamente, resolveu mostrar sua produção. Aparentemente um paradoxo, mas na realidade isso evidencia sua personalidade generosa e seu caráter ético. Sempre se assumiu como um fotógrafo amador. Amador na essência etimológica mais expressiva -aquele que ama o que faz. Valorizava a fotografia instintiva, intuitiva, consciente de que ‘enquadrar é eliminar tudo aquilo que está atrapalhando’. Basta ver seus trabalhos em exposição no Instituto Moreira Salles, em São Paulo, para entender com mais clareza suas ideias. Quando há um formalismo construtivo dominando a imagem, ela é pontuada por geometria e beleza, equilíbrio e leveza, ou seja, aquilo que ele defendia como sendo uma ‘visão essencial’. Sua fotografia transita pelas linhas diagonais, que geram assimetrias e ordenações rítmicas vertiginosas. A obra fotográfica de Thomaz Farkas tem uma surpreendente coerência interna, porque articula uma ordem formal na desordem dos signos cotidianos. Ele produz uma fotografia direta que provoca uma nova maneira de ver, capaz de desorientar os sentidos e nos conduzir a estranhos silêncios. A renovação é a tônica do seu trabalho porque, além de situar a fotografia no terreno da expressão artística, interroga-a permanentemente. Um diferenciado conjunto visual, carregado de emoção, que se transformou numa das experiências mais criativas da fotografia brasileira. Perdemos Thomaz Farkas, um amigo carinhoso que vivia sob o signo intenso da paixão, mas suas lições e suas fotografias estarão presentes para todo o sempre em nossas memórias. Viva! Viva a fotografia! RUBENS FERNANDES JUNIOR é pesquisador e crítico de fotografia