Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Veja


MÍDIA & POLÍTICA
Expedito Filho


O guardião dos grampos


‘Há três meses, a Polícia Federal e o Ministério Público averiguam a
participação clandestina da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) na
operação que investigou o banqueiro Daniel Dantas. Já existe consenso entre as
duas instituições de que a ação dos espiões oficiais foi ilegal. O que as
autoridades não sabem ainda com precisão é a dimensão das irregularidades. Na
semana passada, o agente Márcio Seltz, um dos mais de oitenta arapongas
envolvidos na operação secreta, enviou uma carta à CPI dos Grampos para
retificar uma declaração em seu depoimento. Ele afirmou que, ao contrário do que
dissera, manipulou grampos telefônicos de jornalistas e que os áudios das
gravações foram repassados ao então diretor da Abin, delegado Paulo Lacerda. O
agente não esclarece a maneira como foram obtidas as interceptações das
conversas dos jornalistas – se por meios legais ou não. Apenas recebeu o
material, analisou-o e o entregou ao chefe.


O ex-diretor da Abin foi afastado depois que se descobriu a atuação
clandestina de seus espiões, que grampearam ilegalmente os telefones de
políticos, jornalistas e autoridades, entre as quais o presidente do Supremo
Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes. Indagado a respeito na CPI, Paulo
Lacerda mentiu ao Congresso. Disse que a atuação de seu pessoal se limitou a uns
poucos arapongas, acionados informalmente apenas para checar endereços, e que
ele nem sequer sabia dos detalhes da operação. O depoimento do agente Seltz
mostra que Lacerda, além de acompanhar tudo, era o guardião do material
produzido. O que será que o ex-chefe do serviço de espionagem do governo faz com
os arquivos de áudio que recebe?


J. Edgar Hoover, o lendário ex-diretor do FBI, a polícia federal americana,
tinha um imenso arquivo de gravações telefônicas ilegais que usava para
chantagear adversários do governo. Seus biógrafos escreveram que ele fazia tudo
com o consentimento da Presidência da República. Hoover ficou 48 anos e oito
presidentes no cargo. No Brasil, Paulo Lacerda, que comandou a Polícia Federal
até o ano passado, deixando uma folha de excelentes serviços prestados ao
governo, foi afastado temporariamente da Abin pelo presidente Lula, mas já
contou a amigos que voltará ao cargo no fim das investigações. Não se sabe a
origem de tamanha convicção. Sobre os grampos entregues pelo agente Márcio
Seltz, Lacerda reafirmou que desconhece o assunto. Ele nunca viu, ouviu ou
guardou gravação alguma.’


 


IRMÃOS KARAMABLOCH


Geraldo Mayrink


Tudo em família


‘Imigrantes judeus ucranianos que se estabeleceram no Brasil depois da
revolução comunista e ergueram um império das comunicações no novo país, os
Bloch contam com uma história familiar que daria um romance. E é quase isso que
faz um dos membros do clã, o jornalista e escritor carioca Arnaldo Bloch, ao
reconstituir os feitos de seus antepassados em Os Irmãos Karamabloch (Companhia
das Letras; 344 páginas; 48 reais). Os irmãos do título são Bóris, Arnaldo (avô
do autor) e Adolpho, filhos do ucraniano Joseph Bloch. O trio foi alcunhado de
‘Karamabloch’ pelo escritor e jornalista Otto Lara Resende, numa alusão à
conflitada família criada pelo russo Fiodor Dostoievski em seu clássico Os
Irmãos Karamázov. A família toda gravitava em torno de Adolpho Bloch
(1908-1995), um tirano, segundo o autor, um gráfico que chegou com a parentada
em 1922 e que nos primeiros tempos tinha dificuldade até em pagar a passagem de
bonde. Os Bloch vieram para o Brasil para descobrir a ‘terra promissória’, como
se comentava maldosamente, e a descobriram mesmo, a partir da criação da
Manchete, em 1952. A revista logo se tornaria líder do mercado, dando impulso a
um gigante empresarial que englobaria gráficas, emissoras de rádio e televisão.
Foi a televisão, aliás, a grande responsável pela debacle da empresa. Criada em
1983, nunca saiu do vermelho. Em 2000, quando as dívidas acumuladas chegavam
perto de 17 milhões de reais, foi decretada a falência da Bloch Editores.


O livro centra-se mais na crônica familiar que na história empresarial –
embora as duas coisas se sobreponham inevitavelmente na trajetória dos Bloch.
Arnaldo não poupa seus ascendentes. Expõe todas as suas falhas – físicas e
morais. Haisura, irmã do patriarca Joseph, por exemplo, é descrita como ‘a
mulher mais feia da Rússia’. O primo Bernardo era conhecido como ‘o corcunda’.
Bóris era priápico diagnosticado. Nem as mascotes da família são preservadas:
Biriba, cão felpudo e preto, tinha o apelido de ‘lascivo’. Todos os personagens
falam ao longo do livro, às vezes com sotaque. Eram viciados em jogos.
Demitiam-se uns aos outros e costumavam se odiar com a intensidade de que só os
irmãos são capazes. Mas reuniram uma série de notáveis nos imponentes salões da
empresa, no Rio, entre eles o ex-presidente Juscelino Kubitschek.


A trajetória de Adolpho, o gráfico-empresário, é tragicômica, suja, doída e
doente. Embora fosse o homem forte da família, não teve descendentes diretos.
‘Quem precisa de um filho? Melhor ter um cachorro’, dizia, referindo-se à mimada
cadela Manchetinha, que costumava comer em sua mesa. Editor implacável, Adolpho
tinha o hábito de mastigar as fotos das quais não gostava (embora sabiamente não
as engolisse). Sua ascensão foi notável para um homem que aos 30 anos não
terminara o ensino médio e um dia ouvira do irmão Bóris um comentário: ‘Dá
graças a Deus por estar aqui. Era para você nem ter nascido’. Os Irmãos
Karamabloch é muito bem pesquisado, dada a intimidade sanguínea do autor com as
fontes. Pode ser lido por todos os interessados em histórias de bastidores da
imprensa – e pelo leitor que busca uma envolvente saga familiar.’


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