Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Vera Guimarães Martins

O Ministério Público da Suíça informa: o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, e seus familiares têm contas secretas naquele país. Avisa ainda que elas foram bloqueadas numa investigação local movida por suspeita de lavagem de dinheiro e corrupção. Em março, o peemedebista havia dito na CPI da Petrobras que não tinha conta nem dinheiro no exterior, a mesma declaração que deu à Receita Federal e à Justiça Eleitoral.

A notícia acachapante sobre o terceiro nome na linha de sucessores da Presidência da República é escândalo digno de manchetes bombásticas em qualquer democracia, mesmo numa acossada por escândalos em série, como a brasileira.

Na edição impressa de quinta-feira (1°), a revelação mereceu na Folha um título em uma coluna, uma tripa ao lado da portentosa manchete de cinco colunas sobre a queda de Aloizio Mercadante do Gabinete Civil–que sem dúvida era notícia, mas já estava no digital desde as 9h de quarta e em um site concorrente desde a noite de terça.

Em resposta à crítica interna da quinta-feira, a Secretaria de Redação concordou que a edição impressa não repercutiu, na capa e internamente, a gravidade da situação do presidente da Câmara e disse ter procurado melhorar a cobertura desde então. Na sexta (2), ela realmente melhorou, sobretudo no digital, mas o impresso ainda foi mais tímido do que a concorrência.

O assunto chegou à manchete em modestas três colunas, tamanho reservado a notícias menos flamejantes. Dividindo o alto da capa, chamadinhas leves (conhecidas na Redação como caramelos) para o centenário de Orlando Silva, o futebol e 30 opções para quem não come carne. Pode-se dizer que o prato principal cedeu espaço à sobremesa.

Não foi por falta de reconhecimento da gravidade do caso. Na mesma sexta, o principal editorial descrevia bem a escalada no grau de comprometimento de Cunha, embora ainda reservasse enorme dose de boa vontade ao aventar a possibilidade de que a informação da Suíça pudesse estar errada. Também pegou leve com a atitude imperial do deputado, que até então havia se recusado a falar do assunto, como se não devesse explicações.

O colunista Bernardo de Mello Franco (Brasília, na pág. A2) escreveu que Cunha “continua a confiar na covardia do governo e na cumplicidade da oposição, a quem se aliou na causa do impeachment”. Até a sexta à noite (quando entrego a coluna), essa confiança era merecida: o presidente da Câmara estava sendo convenientemente poupado de críticas. Um deputado (anônimo, como sói acontecer) resumiu a chave oportunista: “Resta rezar para que a conta [de Cunha] só apareça após o impeachment”.

É parte do jogo político essa complacência que atropela sem dó qualquer coerência e subordina valores republicanos a interesses de ocasião. E é a essa imagem de condescendência interessada que a Folha corre o risco de se ver associada com uma cobertura que parece não conferir o peso devido aos problemas de um dos principais personagens da crise política. Não é necessário pesquisar muito para comprovar que o jornal já fez muito mais barulho com histórias menos comprometedoras e figuras menos controversas.