No mar de incógnitas e incertezas que cerca o futuro dos jornais, há pelo menos uma crença mais próxima de consenso, a de que a possibilidade de sobrevivência do impresso está na produção de um conteúdo diferente do jornalismo fast food servido na internet. O cardápio será mais seletivo, com menos pautas e mais profundidade e reflexão. Claro, não há lógica em bancar os altos custos do papel e da rede de distribuição para entregar nas mãos do leitor o que ele já leu ontem no site.
Ao mesmo tempo, essa lógica não pode ignorar que toda transição comporta o que foi e o que há vir: é preciso descobrir o futuro com os pés no presente, ainda mais quando é o hoje que paga as contas do que se anuncia como o amanhã.
Já está em prática a primeira parte parte do equação; reduziu-se a pauta do impresso, embora mais por necessidade de cortar custos do que por ação planejada em direção a um novo modelo. A busca por profundidade no conteúdo, ao contrário, parece ter andado para trás.
Cito exemplos da semana. A edição de quarta (8) trazia dois grandes assuntos, o tropeção político que levou o vice-presidente Michel Temer a virar articulador político de Dilma Rousseff e o polêmico projeto de terceirização de mão de obra, que dormia na gaveta havia dez anos. O primeiro foi um quiproquó inédito, com bastidores saborosos que fazem salivar qualquer um que gosta de política; o segundo é produto jornalístico de primeira necessidade, porque pode mudar as relações profissionais e alterar a dinâmica do mercado de trabalho e da economia. As duas coberturas foram de uma pobreza franciscana. Sem análises, bastidores ou diferenciais sobre o noticiado no dia anterior. Fast food ainda, e servido frio.
No dia seguinte, a aprovação do texto principal estava em todas as manchetes, mas a pobreza da cobertura se repetiu –e não só nesta Folha. Com diferenças leves, as reportagens se limitaram a pinçar alguns aspectos mais polêmicos, sem decupar a proposta nem discutir suas vantagens e desvantagens. A cobertura foi dual, empresários de um lado e sindicatos do outro. A maioria que fica entre as duas pontas foi marginalizada do debate.
Se é assim que o impresso espera manter seus leitores, estamos fritos.
Viajo para um congresso nesta semana, e entro em férias a seguir. A coluna voltará na segunda quinzena de maio, mas o departamento de ombudsman continuará na ativa, dando encaminhamento aos casos dos leitores. Obrigada e até a volta.
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Vera Guimarães Martins é ombudsman da Folha de S. Paulo