IA cobertura de saúde não requer apenas conhecimento da área, ela exige sobretudo responsabilidade. nfelizmente, o setor é solo fértil para mercadores de ilusões, poções milagrosas e pesquisas “científicas” realizadas com meia dúzia de almas ou algumas dúzias de ratos, cujas conclusões não resistem a um espirro e são divulgadas sem critério.
Na semana passada, o ministro Edson Facchin, do Supremo Tribunal Federal, ajudou a complicar esse quadro ao conceder liminar que obriga a USP a fornecer cápsulas de um composto experimental para pacientes com câncer que entraram na Justiça. A fosfoetanolamina existe há anos, mas só foi estudada como produto químico, nunca foi testada a sério em humanos nem submetida à avaliação da Anvisa, razões que a fazem ser vista com extrema desconfiança pelos oncologistas.
A liberação do STF, mesmo que transitória, fez a droga bombar em site e redes sociais e encheu a cuia rasa dos apreciadores de teorias conspiratórias, para quem ela só não foi liberada até hoje por pressão dos laboratórios farmacêuticos.
A Folha só entrou no assunto na quinta (15). Deu uma página em “Ciência+Saúde”, com boa análise que alertava para o perigo do charlatanismo embutido em decisões judiciais que ignoram o protocolo científico. O material contudo tinha dois senões: um infográfico que descrevia o mecanismo de atuação da droga sem deixar claro que ele nunca foi provado e o depoimento de uma jornalista da área de ciência que se declarava disposta a ministrar a droga na mãe, recém-diagnosticada com câncer pulmonar.
Observei que é compreensível que a fragilidade emocional provocada por uma doença letal leve pessoas a embarcar em qualquer aventura que traga esperança, mas que não é admissível que um jornal como a Folha abra espaço para divulgar esses arroubos, ainda mais quando travestidos com algum verniz de conhecimento científico.
Para a Direção de Redação, o depoimento era válido porque trazia um ponto de vista relevante, que se contrapunha à análise. Para mim, é o tipo de mensagem que confunde o leitor e legitima a alternativa, engordando a fila de desesperados por um milagre.
Há muita história mal contada sobre a fosfoetanolamina. Seu descobridor, Gilberto Chierice, professor aposentado ligado ao Grupo de Química Analítica e Tecnologia de Polímeros da USP de São Carlos, não deu entrevista ao jornal. Ouvido pelo site G1 em agosto, ele “garantiu” que a substância cura o câncer, embora, como admitiu, não saiba quais: “Não é possível fazer essa medida porque nós não somos médicos. Teria que ter uma parceria com o médico para ele mostrar a eficácia de cada um. Isso nunca foi feito”.
É de se perguntar por que não, já que Chierice e equipe patentearam a fórmula, conforme revela nota do Instituto de Química de São Carlos .
Como se vê, ainda há muito a explicar.
BALA DE FESTIM
A Folha foi além das tamancas na última sexta (16) ao cravar a manchete “Delator diz ter repassado R$ 2 mi para nora de Lula”. Primeiro, porque não foi isso que Fernando Baiano disse. O lobista declarou ter repassado o dinheiro a José Carlos Bumlai, que teria pedido em nome de uma das noras de Lula. Só com isso, não é possível saber se o pecuarista foi pombo-correio ou se usou o valioso nome do amigo para inflar seu butim.
“É só um disse-me-disse danado, em que um delator declara que alguém disse que o dinheiro seria para uma certa nora, não se sabe qual. É nisso que eu tenho, há mais de 50 anos, investido o meu dinheiro?”, protestou, entre outros, o leitor Luciano Rocha de Souza.
É o eterno problema de títulos “esquentados”: o impacto inicial não correspondido deixa a reportagem com cara de bala de festim. A chamada interna era mais cuidadoso (“Lobista diz ter pago R$ 2 mi que seria para nora de Lula”).
A Direção de Redação não acha que a Folha avançou o sinal. “A s declarações foram prestadas à Justiça num acordo de delação premiada; não nos parece justo qualificar de disse-me-disse”.
E, você, o que acha leitor?