Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Vera Guimarães Martins

A capa da Folha na última segunda-feira (19) estampou com destaque uma galeria de jovens policiais numa pose aparentemente fetiche: corte fechado, rosto atrás do revólver, a mira em primeiro plano apontando para quem olha. As fotos foram retiradas de perfis em redes sociais, e não havia qualquer informação sobre os personagens.

O título, “Nas redes, policial é herói e violento”, arrematava a edição interna de duas reportagens. A primeira, na capa de “Cotidiano”, revelava a existência de páginas que exaltam a violência policial, exibindo fotos de presos espancados e vídeos de detenção e tortura, acompanhados de mensagens de apoio.

A outra, ilustrada com as fotos posadas, discutia riscos e benefícios da autoexposição com fardas e armas. Houve quem considerasse bom, por refletir orgulho profissional, melhorar a autoestima prejudicada pela má fama da corporação e oferecer uma oportunidade de aproximação com a comunidade. Houve quem julgasse ruim, por ver o exibicionismo bélico como falta de austeridade e risco à segurança.

O problema é que a edição conjunta de matérias de naturezas distintas fez o clima de uma contaminar o da outra. Na “Primeira Página”, no texto abaixo da galeria de fotos, dois especialistas declaravam que as postagens eram “coisa de faroeste” e que os policiais se esqueciam de que representam o Estado. Nenhum deles, porém, se referia aos retratos, mas às barbáries descritas na primeira reportagem.

A mistura de canais vazou para a página dos retratos: ao lado de mais fotos de perfis, um quadro listava tipos de conteúdo violento –filmagem de mortes, por exemplo.

É razoável crer que maior pudor na exibição de armas faria bem para uma instituição cuja imagem é corroída pelo histórico violento, mas também é razoável interpretar a opção do jornal pela publicação de personagens armados como uma tentativa de equiparar as duas situações e mostrar que essa violência é intrínseca aos policiais.

Há outro aspecto a ser discutido: nenhum dos retratados foi consultado sobre a publicação de suas fotos. O entendimento jurídico do jornal é que imagem em rede social aberta é imagem pública (mesmo que a pessoa não o seja) e pode ser usada livremente na produção de matéria jornalística.

Do ponto de vista legal, pode ser ok, mas é difícil defender como ético o procedimento de tirar uma figura do habitat digital em que ela escolheu se expor e apresentá-la em outro contexto sem consulta. Até porque, no caso específico, a diretriz legal atropelou uma obrigação jornalística de primeira grandeza –a de ouvir o Outro Lado sempre que publicação puder ser prejudicial à pessoa. O background informativo que cercou os retratados anônimos era negativo e, em algumas corporações, a exposição pode ser punida como infração administrativa.

Sempre se pode dizer que os agentes é que são os responsáveis, porque se expuseram na rede. É correto, mas é também cínico. Uma coisa é aceitar os efeitos colaterais de uma informação publicada em nome do interesse público. Não me parece o caso da exposição dos rostos, nem fundamental nem inevitável.

A Secretaria da Segurança Pública de SP enviou mensagem em que contesta a reportagem “Governo Alckmin omite dados de pessoas mortas por policiais em SP”, publicada na sexta (19). Leia a íntegra na página digital da ombudsman.

MUDANÇA NO SITE

Muitos leitores reclamaram sobre a eliminação da página do site que trazia o índice de textos da versão impressa da Folha. Era um formato antigo, mas útil, simples e ainda usado por milhares de pessoas.

A Direção de Redação diz que a página foi criada quando o jornal ainda não publicava todo seu conteúdo no site principal. O conteúdo continua disponível “em versão mais rica, agregando recursos como fotos, infográficos, vídeos e links”. “Agora é possível centralizar todas as interações com determinado conteúdo do jornal. O material publicado no site indexa também o que sai no impresso, além de conteúdos exclusivos do digital.”

A explicação não vai consolar quem perdeu o formato com qual havia se habituado, mas mudanças provocadas por novas tecnologias são inevitáveis. O que não dá para entender é por que elas são implantadas sem informar previamente o leitor, que se sente desrespeitado e fica, com razão, furibundo.