Foram muitas as reclamações contra a cobertura do rompimento da barragem em Mariana. Curiosamente, parte das mensagens não mencionava só este jornal, mas generalizava para toda a imprensa a acusação de que o desastre não vinha sendo tratado com a visibilidade que sua gravidade merecia.
Esses vereditos são frequentemente exagerados (“ninguém está dando nada”), calcados em avaliações subjetivas e parciais que comprometem a percepção do conjunto. O leitorado, porém, não está de todo errado. Houve, sim, um descompasso na cobertura, e ela foi ainda maior neste jornal.
Dos três grandes diários nacionais, a Folha foi o que deu menos espaço ao desastre e o menor destaque na “Primeira Página” —em quatro edições, a capa simplesmente ignorou o assunto, embora a jornada da lama avançasse dia a dia.
Em “O Estado de S. Paulo”, o assunto também não chegou ao título principal, mas o concorrente paulista nunca deixou de destacar o caso, quase sempre com maior destaque do que neste jornal. No carioca “O Globo”, o desastre mereceu duas manchetes, e suas consequências galgaram o topo, às vezes ocupando toda a largura da capa.
No primeiro dia, só a Folha deixou de mencionar que a empresa Samarco é controlada pela brasileira Vale e a inglesa BPH Billiton. A omissão mais a cobertura criticada foram o mote para que alguns leitores especulassem se o jornal não estava tentando poupar a Vale, um dos maiores anunciantes do país. Fosse a relação simples assim, não haveria jornais. Em termos de anúncio e patrocínio, a verba da Petrobras deve bater a da Vale, e mesmo assim seus desastres ambientais sempre são reportados com afinco, o que não ocorreria se a intenção fosse poupar a receita publicitária.
Ah, dirão alguns, mas os jornais são mais críticos e rigorosos com as empresas públicas do que com companhias privadas. Verdade, e natural que seja assim: é função precípua do jornalismo zelar pela coisa pública e vigiar a atuação dos governos de qualquer nível responsáveis finais por essas empresas.
Convém lembrar que o noticiário diário é fruto da temperatura do momento: quando ela está alta, acaba relegando ao papel de coadjuvantes fatos que, em outras circunstâncias, poderiam ser manchetes.
Já de início, o rompimento em Mariana dividiu os holofotes com assuntos de alta combustão, como a corrupção da Lava Jato, a bananosa que enreda o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, a discussão do impeachment da presidente e a degradação econômica do país. Na sexta passada, surgiu mais um tema de altíssima voltagem, o atentado que matou 130 pessoas em Paris. Desde então, os assuntos mencionados perderam, com razão, o papel principal.
Surgiram então as queixas sobre o espaço conferido à tragédia francesa, em detrimento do desastre nacional. É uma comparação indevida, engajada, me perdoem a aspereza dos termos, em um dualismo simplório e por vezes provinciano. Não faz sentido pretender o mesmo tratamento para os dois eventos, porque as consequências geopolíticas e econômicas dos atentados em Paris são indubitavelmente mais vastas e disseminadas do que as do rompimento da barragem —além de uma coisa não decorrer da outra.
O tratamento dado a Mariana já era insatisfatório antes da eclosão do drama francês. A rigor, o desastre não foi prioridade nem em “Cotidiano”, que faz a cobertura ambiental. Com exceção do início e um ou outro dia, a lama foi relegada às páginas internas do caderno. Pode ter sido por erro de avaliação do jornal, supervalorização do noticiário político, falta de sensibilidade diante de tragédias ambientais etc. Paris ou Cunha não têm nada com isso.
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Vera Guimarães Martins participa de um congresso de ombudsmans na Colômbia, compartilhando a história dos 11 profissionais que já exerceram este cargo no jornal e fazem dos 26 anos do ombudsmanato da Folha o mais longevo da América Latina.