Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Vera Guimarães Martins

A “Ilustrada” tomou uma decisão difícil de entender na última quarta: a de “presentear” os leitores com a revelação do enredo do filme “Star Wars – O Despertar da Força”, o sétimo episódio de uma saga que começou há 37 anos e que estrearia no dia seguinte. Era o lançamento mais esperado do ano por milhões de fãs.

Ícone da cultura pop, inculcada no imaginário e na lista de afetos de pelo menos duas gerações, a saga é entretenimento no sentido mais genuíno, de fruição leve e descomplicada, e tira boa parte de seu impacto do fator surpresa. O estúdio guardou o filme a sete chaves e, nas semanas pré-estreia, os fãs construíram um cordão para isolar vazamentos. Jornais concorrentes respeitaram o pacto coletivo e falaram do filme sem vazar. O caderno de entretenimento da Folha não.

A “Ilustrada” tomou a precaução de avisar no título e no subtítulo que quem pretendia ver o longa não deveria ler o material (vai que algum fanático irado com a inconfidência resolvesse trocar a citação “Que a Força esteja com você” por um “Que a forca esteja com vocês”).

De alguém da própria Redação brotou uma pergunta (im)pertinente: se a multidão de adeptos não devia ler a reportagem, a quem ela se destinava? Por que alguém que não se interessa pela luta dos cavaleiros Jedis contra as forças do Império leria o texto? (Talvez seja demais esperar bom senso nessa hora.)

Meu ponto: em que galáxia distante vazar a história de um filme longamente esperado é informação ou atende ao interesse do leitorado?

Spoilers são uma fonte permanente de reclamações e um erro no qual a “Ilustrada” incorre com frequência e, parece, até com certo prazer. O resultado é que, na dúvida, o leitor já vacinado deixa de ler determinadas reportagens sobre filmes ou séries de seu interesse. É ruim para a imagem do jornal, porque a fama de estraga-prazeres vai solapando a relação de confiança do leitor.

Mas o editor Ivan Finotti não vê problema no vazamento. “Um dia depois de nossa edição, ‘Star Wars 7’ estreou e milhares de pessoas passaram a postar detalhes do enredo na internet. A ‘Ilustrada’, que teve a oportunidade de assistir ao filme antes da concorrência, ofereceu a informação em primeira mão.”

É desnecessário comentar.

FALTA DE LIMITES

O leitor Washington Lemos reclamou, e fui conferir um vídeo postado pelo F5, sobre um casal de amantes flagrado, na entrada de um motel, pelo marido traído e um certo amigo da onça. A perplexidade do leitor tinha sentido: o vídeo do barraco doméstico expunha vidas privadas e gente comum. O que estava fazendo num site abrigado sob o guarda-chuva da marca Folha?

Não foi a primeira vez que a, digamos, liberalidade do F5 provocou reclamações. Recentemente, o leitor Marcelo Negrini se queixou de que o site publicou as inconfidências de uma subcelebridade sobre os flatos de seu namorado pagodeiro durante o sexo. A “notícia” ganhou chamada na homepage da Folha e chegou à “timeline” do leitor pelo canal do jornal no Facebook.

Um site de celebridades como o F5 não pode ser avaliado segundo os critérios tradicionais do jornalismo, porque não trata de informações do chamado interesse público, mas de irrelevâncias sobre a vida de famosos e de arrivistas. É o tipo de conteúdo que não traz prestígio, mas atrai muita audiência. Uma coisa, porém, é contar que a atriz da novela foi à praia ou reatou com o namorado. Outra é descer a detalhes constrangedores ou explorar a desgraça de gente desconhecida.

A Direção de Redação reconhece que foi um erro postar o vídeo, tanto que ele foi retirado do ar. “Acompanhar o que está em evidência na internet e publicar o que for mais relevante é uma das propostas do F5. Esse fato teve enorme repercussão nas redes sociais”. O mesmo vale para a flatulência alheia. “Olhando em retrospecto, talvez não devêssemos ter publicado o texto. O jornal tem procurado aperfeiçoar o filtro, mas nem sempre ele funciona.”

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Esta coluna entra em recesso por duas semanas. Um ótimo 2016.