“Spotlight – Segredos Revelados”, filme sobre a investigação que levou o jornal “The Boston Globe” a desnudar o problema de pedofilia na Igreja Católica, está longe de ser obra para jornalistas.
O roteiro conseguiu transformar os cinco meses consumidos de uma apuração trabalhosa e com certeza maçante em um “thriller” interessante.
Uma pena que, como disse à Folha um dos repórteres que atuou na cobertura, o filme deva atrair um publico já habituado a ler jornais, e não os milhões que aderiram ao noticiário na era digital, a maior parte cevada na lorota do conteúdo gratuito.
Como ideal, a “internet free” é uma delícia libertária; seu problema é bater de frente com a realidade e ignorar a velha premissa: não existe almoço grátis, ainda mais quando sua produção custa caro.
Vendo o filme, é difícil acreditar que tenham se passado só 13 anos. A velocidade das mudanças tecnológicas parece ter envelhecido precocemente aquela Redação de 2002 –em parte, talvez, pela hoje impensável ausência do digital, em parte porque o filme preservou a imagem romântica do impresso distribuído em caminhões, certamente mais cinematográfica. O mundo dos jornais mudou muito desde então.
Em 2002, a crise no modelo de negócios já fazia estragos em grupos de comunicação, mas o Google era embrionário, e o Facebook nem existia. “The Boston Globe” tinha cerca de 500 jornalistas; hoje são 300. Em maior ou menor grau, esse encolhimento virou padrão.
Provavelmente graças ao furo de impacto mundial e aos prêmios obtidos, a profundidade dos cortes não atingiu a equipe de repórteres investigativos do jornal (a “Spotlight” que dá nome ao filme), que passou de quatro para seis pessoas.
Na maioria das empresas, porém, é cada vez menos viável manter equipes dedicadas a reportagens que demandam mais tempo e muito mais dinheiro num cenário de queda constante no faturamento.
O futuro é uma incógnita, e as demandas do jornalismo digital são um imperativo mais imediato do que as coberturas caras, demoradas e incertas, cujo conteúdo será, de qualquer forma, imediatamente apropriado e replicado na infinita teia da rede, sem ônus para o replicante nem pagamento ao produtor.
É a ironia destes tempos: nunca se leu tanta notícia, mas nunca a leitura se deu por atalhos tão variados e desvinculados da fonte original.
Nos caminhos desviantes reinam Google e Facebook, que ficam com a parte do leão da publicidade digital reproduzindo material alheio (inclusive o seu, leitor), mas proliferam também sites e blogs que descobriram o filão da reprodução seletiva (e comentada) do noticiário dos grandes veículos. Não miram uma audiência planetária como os dois primeiros, mas grupos que se identificam com um conteúdo mais partidarizado e opinativo.
Não é intenção desta coluna fazer juízo de valor, mas mostrar que a conta não fecha –e, ao contrário do que gostam de pregar os demonizadores da “grande mídia”, isso não acontece porque ela é cada vez menos lida, mas porque seu conteúdo é, para o bem ou para o mal, digerido por outras vias.
O Twitter anunciou na terça-feira (7) que estuda abrir mão do limite de 140 caracteres, que sempre foi seu diferencial, e permitir mensagens de até 10 mil toques (este texto tem pouco mais de 3.650, incluindo espaços). Para ampliar a receita, pode passar a postar notícias completas, que mantêm o usuário no endereço por mais tempo, sem direcioná-lo à fonte original.
É o caminho trilhado por Google, Facebook e Buzzfeed, entre outros, que aderiram à produção de conteúdo ou discutem algum tipo de pagamento do material alheio que já publicam. Qualquer que seja o modelo do futuro, cabe a pergunta: quem vai pagar pelos “Spotlights”?