Foi uma semana com a fartura que qualquer jornalista pediu a zeus. A temperatura do noticiário esquentou na terça-feira (26) com a decisão do presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), de começar a votar a tão esperada reforma política e ferveu no dia seguinte, quando a cavalaria americana invadiu os domínios do forte apache mundial do futebol, a Fifa.
A Folha foi bem no thriller esportivo, mas ficou aquém no novelão político. A cobertura da votação da reforma –apontada há anos como indispensável para corrigir distorções do sistema eleitoral– resultou desenxabida, sem a dimensão e o destaque que o jornal costuma conferir aos temas que julga mais relevantes. A notícia veio básica, sem análise ou diferencial. A impressão é que, como a comissão de deputados que trabalhava no projeto de reforma, o jornal também foi atropelado pelo protagonismo intempestivo de Cunha.
À exceção da edição de quarta-feira (27), quando ganhou destaque no alto da “Primeira Página” a notícia de que a Câmara havia rejeitado o distritão patrocinado pelo PMDB, o balanço foi de chamadas modestas e de menor visibilidade. Na sexta, a reforma ganhou mais espaço, mas continuou no pé da página.
A aprovação do fim da reeleição em primeiro turno padeceu da mesma penúria, soterrada que foi pela erupção do caso Fifa. Não cola aqui o argumento de que isso ocorreu porque o resultado final depende de mais duas votações, uma delas no Senado: o resultado (452 a 19 votos) não deixou dúvidas sobre o apoio à proposta, encampada por todos os partidos nas duas Casas.
Entre Fifa e reeleição, pode-se até discutir qual era, ao fim e ao cabo, o assunto mais importante, mas a decisão de dar o escândalo esportivo na manchete é justificável: tratava-se de fato inédito, surpreendente e de grande interesse. Assim como a reforma política, a corrupção das instituições que gerem o futebol era uma bola cantada que enfim desencantou.
A Secretaria de Redação diz que o peso histórico conferido ao caso foi também forma de “coroar a trajetória da Folha de décadas de cobertura crítica do círculo que dirige o esporte no Brasil e no mundo, inigualável na imprensa nacional. Essa opção retirou de um assunto importante, como a aprovação em primeiro turno do fim da reeleição, o destaque que em dias normais mereceria na vitrine do impresso”.
A avaliação sobre a trajetória do jornal é correta, mas cabe reparos à conclusão. Dar peso histórico ao caso Fifa não necessariamente implica relegar a registros burocráticos decisões que devem provocar mudanças reais na vida pessoal do leitor e no cenário político nacional –caso dos limites aos benefícios de auxílio-doença e pensão por morte, a aposentadoria ou a reeleição.
Ok, nem tudo pode ser manchete. Nem precisa. Todo projeto gráfico de qualquer jornal prevê soluções que hierarquizam o noticiário sem descurar de conferir tratamento diferenciado às histórias mais importantes. Outros jornais fizeram uso dessas ferramentas; a Folha não.
A questão do destaque na capa está longe de ser mera tecnicalidade que só interessa a jornalistas. Dar a dimensão devida a cada notícia é o ato final do trabalho de curadoria desempenhado pelos veículos. É a escala que revela os valores do jornal e norteia o leitor. Descuidar dessa tarefa é como levar um gol contra no último minuto do jogo.
***
Vera Guimarães Martins é ombudsman da Folha de S. Paulo