A Folha promoveu na quinta e sexta-feira últimas um ótimo ciclo de debates para celebrar os 95 anos de existência do jornal. Foi uma comemoração ecumênica, com palestrantes de outros veículos, convidados estrangeiros, debates inspiradores e uma plateia de leitores interessados. Uma pena que eventos do gênero não sejam mais frequentes.
Tudo seria festa e êxito se o jornal não tivesse enfrentado uma saia justa constrangedora nos dias precedentes ao encontro. Programação e palestrantes estavam definidos quando a Odebrecht entrou como uma das patrocinadoras do evento (a Fiesp veio depois). Alguns leitores questionaram o jornal sobre a propriedade de dividir a comemoração com uma marca comprometida na Lava Jato, e quatro palestrantes desistiram de participar: Eurípedes Alcântara, diretor de Redação da “Veja”, Fausto Macedo, repórter de “O Estado de S. Paulo”, e os apresentadores William Waack e Renata Lo Prete, da Rede Globo.
Segundo a Direção de Redação, o problema de Alcântara não era propriamente a empreiteira, mas o patrocínio de modo geral. Como ele havia sido contra fazer os 40 anos da “Veja” patrocinado –e conseguiu convencer o seu departamento comercial–, não se sentiria à vontade participando de uma comemoração com patrocínio. Nos outros casos, a empreiteira foi o pivô.
Também acho que celebrações institucionais não deveriam ter patrocínio ou que ele deveria ser selecionado com muito cuidado. Não porque alimente algum temor sobre a interferência do comercial no conteúdo editorial, mas para não contaminar uma data importante com polêmicas previsíveis e estéreis. Se é possível evitar, por que não?
Na metáfora sobre a separação entre Igreja e Estado (usada no jornalismo para se referir à independência entre conteúdo comercial e editorial), a imagem institucional do veículo encarna o sagrado, uma instância que deveria ser preservada dos vícios terrenos.
Além do mais, é difícil crer que um jornal como a Folha não pudesse bancar um evento em que nenhum dos palestrantes foi remunerado.
Dito isso, acho que o episódio enseja uma discussão maior e mais urgente, que precisa ser feita com franqueza, transparência e sem o discurso fácil dos virtuosos de ocasião (que fique claro que não me refiro aos colegas desistentes).
Erra quem pensa que esse é um problema das empresas. É questão de interesse público, do público, das empresas de comunicação, dos jornalistas. O problema é nosso, e é preciso lidar com ele de maneira realista e para além das aparências.
Há três semanas, este jornal deu manchete para a atuação da Odebrecht em obras no sítio Santa Bárbara, frequentado pela família Lula da Silva. Desde o início das investigações, foram inúmeras as reportagens envolvendo a empreiteira. O programa do evento previa um debate sobre a Lava Jato, e seus palestrantes eram (são) repórteres experientes que atuam na linha de frente das apurações em três dos maiores jornais do país. Alguém acredita mesmo que havia alguma chance de o patrocínio interferir no conteúdo do debate ou do noticiário?
Suponho que a resposta seja mais complexa que um óbvio não, mas nenhum dos profissionais aceitou comentar as razões das desistências com a ombudsman. Uma pena porque esse silêncio obsequioso acaba jogando uma sombra de suspeição sobre a independência do debate, do veículo, da profissão.
Todos os meios desenvolvem projetos viabilizados pelo dinheiro de grandes corporações, sejam cadernos especiais, eventos, cursos de formação. Para ficar apenas nos jornais, a satanizada Odebrecht patrocina o programa de treinamento da Folha (juntamente com a Friboi e a Philip Morris), de “O Estado de S. Paulo (em parceria com a Philip Morris) e do curso de jornalismo da Editora Abril (com a BRF e a Heineken). A mesma empreiteira patrocinou no final de janeiro um seminário sobre os Jogos em “O Globo”.
Precisamos ou não falar aberta e honestamente sobre isso?
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Leia a nota assinada pelo editor-executivo do jornal, Sérgio Dávila, sobre os patrocinadores do Encontro Folha de Jornalismo:
“O Encontro Folha de Jornalismo teve como patrocinadores a Fiesp e a Odebrecht. Como em outros conteúdos editoriais –caso de cadernos, sites e seminários–, a relação das empresas patrocinadoras com o jornal é comercial, sem qualquer interferência na parte editorial.
A Folha defende a pluralidade e a liberdade de expressão comercial, representadas pelos mais de dez mil anunciantes que tem como clientes.
Toda relação comercial do anunciante com o jornal pressupõe independência do produto editorial em que o anúncio será veiculado, seja um caderno, um site ou um evento. Não há motivo para discriminar anunciante ou local onde o anúncio será veiculado.
O jornal acredita também que a saúde financeira da empresa é fundamental para sua independência editorial. Parte dessa saúde resulta de uma carteira variada de anunciantes.”