O assunto vai parecer velho, mas este espaço não pode deixar passar em branco a reformulação feita no impresso da Folha. Eu estava de férias quando ela ocorreu, no final de abril. Resgato o assunto para dar voz às dezenas de leitores que escreveram para expressar raiva, desencanto e perplexidade. Ainda que as mensagens tenham sido respondidas na época pela Direção de Redação, suas manifestações merecem ser compartilhadas.
Resumindo, a reformulação juntou em três cadernos editorias antes separadas, eliminou seções e colunistas e cortou sem dó um espaço que já não era generoso. “Esporte”, reduzido a uma página às terças e sextas e a duas páginas às quartas e quintas, liderou as reclamações.
“Comida” voltou a ser seção na “Ilustrada”. Integrantes do time de 125 colunistas que o jornal acumulou nos últimos anos vão escrever só no site. Dos seis de “Mundo”, só Clóvis Rossi continua no impresso.
“Gostaria de manifestar meu descontentamento com os rumos que a Folha vem tomando. Paulatinamente, a versão impressa vem sendo esvaziada, seja pela migração de reportagens para a versão eletrônica, seja pela perda de articulistas e de cadernos interessantes”, escreveu Maria Clara Noronha de Ávila Ribeiro, assinante há 15 anos.
“Vejo a FSP na UTI, em estado terminal, fininha e definhando a cada dia. É de dar pena e sinto-me lesado, pois ela perde de lavada se comparada com a concorrência impressa”, descreveu Waldyr Pena, engenheiro agrônomo de Avaré, assinante há mais de 25 anos.
De Marcelo Ancona Lopez, de São Paulo, assinante há mais de 30 anos: “A qualidade tem piorado muito. A continuar assim, em pouco tempo a internet passará a ser o meio principal de informação e análise, e o jornal não será mais necessário. É isso que a Folha quer?”
Certamente não. Mesmo num cenário mundial de perda de assinantes e anunciantes, o impresso ainda é a joia da coroa em faturamento e prestígio, e esse status é lembrado com frequência à Redação.
A questão é que discurso e prática parecem combinar cada vez menos. À cada mudança, o jornal encolhe um pouco mais, dando gás à imagem de esvaziamento paulatino mencionada por Maria Clara.
O site vive movimento inverso, abrigando tudo o que o papel vem dispensando e mais um pouco. Não é de estranhar a interpretação que Frederico Xavier de Rezende, de Belo Horizonte, fez da reformulação: “A intenção do jornal é aos poucos migrar para o mundo digital?”
Há muita especulação sobre o fim do jornal impresso, e a migração para o digital é um dos cenários à frente –mas não consta que seja para tão já. Nem é certo que ela venha a coroar a morte do impresso. É mais provável que ele continue vivo, servindo a um leitorado menor, que quer ir além da balbúrdia da internet e busca um conteúdo selecionado, com menos assuntos, mas maior profundidade, consistência noticiosa e muita análise.
Esse redesenho até agora não deu as caras. Da lista de intenções traçadas acima, só a redução de conteúdo está em vigor, reclamam com razão os leitores. Os textos estão cada vez mais curtos, e as reportagens se resumem ao arroz-com-feijão disponível na rede. As análises, antes obrigatórias nos temas mais importantes, praticamente sumiram após alguns poucos anos de experimentação.
A Direção de Redação diz que a meta é que os textos noticiosos já tragam embutidas análise e interpretação. É o ideal, mas elas não estão trazendo –e é difícil acreditar que consigam um bom resultado numa equação de espaço tão mofino e noticiário farto, num país que salta de escândalo em escândalo e vive crises política e econômica.
“A edição mais enxuta era uma estratégia a ser implantada em algum momento, mas sua adoção foi apressada pela crise econômica”, informa a Diretoria de Redação. Ou seja, o jornal enxuto veio para ficar.
O desafio agora é repensar o impresso à luz dessa lógica e com clareza coletiva de propósitos. Se continuar como está ou não for eficiente na transição da cobertura, a Folha será enxuta, mas corre o risco de ficar cada vez mais dispensável.
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Vera Guimarães Martins é ombudsman da Folha de S. Paulo