Versão 1: A aprovação da redução da maioridade penal em primeira votação fere a democracia porque foi obtida graças a uma manobra golpista: Eduardo Cunha atropelou a Constituição e o regimento legislativo, submetendo ao plenário a variação de um texto rejeitado no dia anterior (terça, 31). Versão 2, dita pelo presidente da Câmara: “Só cumprimos o regimento, e eu duvido que alguém tenha condições de contestar tecnicamente uma vírgula do que eu estou falando”.A manobra de Cunha foi manchete de todos os jornais na quinta-feira (2) e bombou nas redes sociais, já empacotada em aplausos ou danação. Com um aspecto curioso: a maioria certamente não tinha noção do que, afinal, diziam a Constituição ou o regimento. Os jornais, não só a Folha, foram pródigos no espaço dado ao bate-boca dos contrários, mas micaram no fundamental, o conteúdo dos textos legais.
Na sexta (3), este jornal finalmente reproduziu os artigos legais e deu reportagem e análise que mostram que o assunto é complexo e sujeito a diferentes interpretações.
Foi a segunda vez que o expediente Cunha-24 h conseguiu reverter uma reprovação. O primeiro ocorreu em 27 de maio, com as doações eleitorais de empresas. Nas duas ocasiões, o noticiário ficou na espuma, sem entrar no mérito da polêmica.
Foi lapso, diria essa freudiana de botequim. Para qualquer um que se identifique com o rótulo de progressista, é fácil desgostar das posições de Eduardo Cunha e pode ser grande a tentação de aderir automaticamente à trincheira oposta.
A mesma matriz crítica que fala alto no noticiário sobre figuras políticas polêmicas pode emudecer em coberturas de assuntos com os quais é fácil simpatizar –como o fechamento da avenida Paulista para os veículos no domingo passado. A prefeitura aproveitou a inauguração da ciclofaixa e fez um teste de viabilidade para transformar uma das vias mais movimentadas da cidade em espaço de lazer dominical para pedestres, ciclistas, skatistas, famílias.
Quem esteve na avenida fechada viu um delicioso clima de festa. Não pode dizer o mesmo quem circulou nas vias paralelas ou transversais congestionadas. A quizumba motorizada passou em branco no noticiário acrítico e relapso.
Foi um passeio para o prefeito Fernando Haddad. Na quarta, segundo o jornal, sua equipe já considerava o fechamento “irreversível, devido à repercussão positiva do teste” –embora ainda “dependesse” de estudo de impacto da Companhia de Engenharia do Tráfego. Nenhuma surpresa: a CET, subordinada à prefeitura, concluiu que não houve impacto no trânsito.
A Folha reproduziu a posição oficial sem dar detalhes do estudo ou submeter a metodologia a algum escrutínio. Também foi relapsa ao não ouvir hospitais, hotéis, cinemas, lojas, restaurantes e moradores da área –ou seja, nenhuma das fontes que poderiam colocar (e parte delas sabidamente coloca) objeção ao fechamento. Viva o discurso oficial!
No primeiro caso, as vozes dissonantes se sobrepuseram; no segundo, desapareceram.
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A direção de Redação considera que o jornal veio melhorando as edições sobre a maioridade penal e produziu na sexta-feira um conjunto satisfatório. No caso da avenida Paulista, diz o jornal, a diretriz é aumentar a abordagem crítica e técnica do assunto, expressando com equidistância os argumentos favoráveis e os contrários ao fechamento frequente da avenida aos domingos.