Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Vera Guimarães Martins

A grande notícia da semana foi a entrevista que a presidente Dilma Rousseff concedeu à Folha na edição de terça-feira (7). Evento raro, a conversa exclusiva foi parte da estratégia do Planalto para fazer frente ao recrudescimento da discussão pública sobre o impeachment.

A petista já vinha acuada pelo acirramento da crise econômica e pelo risco de rejeição das contas do governo no Tribunal de Contas da União, mas o cenário piorou após a revelação de que o empreiteiro Ricardo Pessoa, dono da UTC, disse em depoimento ter distribuído propina e doações eleitorais em troca de vantagens na Petrobras.

No contra-ataque ao avanço da maré, a presidente escolheu a Folha para falar ao país. Ponto para o jornal, que obteve conteúdo exclusivo e acabou pautando todo o noticiário político. Ponto também pelo espaço generoso tanto na “Primeira Página” como nas páginas internas, condizentes com a figura política e a gravidade da situação.

Dito isso, é preciso registrar que o jornal deixou de aproveitar a rara oportunidade para dar voz a algumas questões cruciais, frequentes nas conversas de rua, mensagens de leitores, textos de colunistas, analistas e editoriais.

Faltaram perguntas mais incisivas e pipocaram aqui e ali afirmações vagas e indeterminadas, do tipo “Parece que está todo mundo querendo derrubar a senhora”.

A reportagem pegou leve ao não inquirir a presidente sobre o fosso entre suas promessas eleitorais e as medidas que ora põe em prática ou sobre a semelhança entre o que ela acusou a oposição de pretender fazer e o que seu governo está fazendo. Dilma falou muito, mas escapou de perguntas e respostas consistentes sobre fatores que fizeram sua reprovação saltar para 68%, segundo a última pesquisa Datafolha.

A petista voltou a criticar a delação premiada, que disse considerar uma instituição ruim, sem que lhe fosse perguntado por que, então, sancionou a lei em 2013 e dela se vangloriou na campanha eleitoral.

Uma certa brandura ao entrevistar personalidades é comum no jornalismo nacional. No cara a cara, evitam-se perguntas que possam soar inconvenientes, agressivas ou desrespeitosas. No caso da mais alta autoridade da República, o comportamento é também caudatário do caráter imperial do presidencialismo no Brasil. Aqui, os mandatários não se sentem obrigados a conceder entrevistas para prestar contas de seus atos ou só o fazem ao sabor das próprias necessidades.

Em qualquer situação, a escolha do entrevistador é encarada como uma honraria, à qual o escolhido deve fazer jus, não impondo ao entrevistado comportamento que possa ser considerado acintoso. É o que os franceses chamam de “noblesse oblige”, a obrigação de corresponder à nobreza que lhe foi conferida.

Não se pode negar o mérito de Dilma, que optou por conceder entrevista a um grande jornal, fora do círculo bajulatório que reza pela cartilha do governo. Bem diferente do ex-presidente Lula que, no mensalão, preferiu falar a uma jornalista desconhecida, sem vínculo com nenhum veículo brasileiro -e em Paris.

Não quero desmerecer a conquista da reportagem da Folha, mas é bom lembrar que a obrigação de ouvir o contraditório e garantir espaço para o outro lado não implica abrir mão de fazer perguntas espinhosas nem libera o personagem para falar o que quiser sem contradita.