Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Vera Martins Guimarães

Que jornalistas somos arrogantes, o leitor está cansado de saber e de ler neste espaço desde o primeiro ombudsman, há 26 anos. Mas, justamente na semana em que entrou em vigor a lei do direito de resposta, o jornal poderia ter poupado a plateia de um “erramos” matreiro como o desta sexta-feira (13), quando teve de recuar da manchete “Manobra da gestão Alckmin diminui homicídios em SP”, de 9/11.

Após semana de intensos contatos entre a Secretaria da Segurança Pública, a ombudsman e a Redação, a Folha fez a correção, na qual sapecou um final curioso: “O jornal não encontrou prova que contradiga o governo”. Descendo do salto: o jornal não encontrou prova que confirmasse a acusação que fez.

Para ser justa com a Redação, é preciso dizer que boa parte da confusão é consequência do cipoal de regras que o Estado foi criando ao longo dos anos e nos quais ele próprio se enrola. Assim como a falta, o excesso ou a mudança frequente de critérios prejudicam a transparência que o governo paulista tanto gosta de alardear –com razão no essencial, a publicação sistemática.

Feita a ressalva, vem o óbvio. Jornalistas erram como qualquer outro profissional, com a diferença de que seus erros, além de públicos, são magnificados na exata proporção da visibilidade dada à notícia. É essa equação que torna um erro em manchete muito mais grave.

No domingo passado, “O Globo” estampou na “Primeira Página” que era incorreta a informação de que o delator Fernando Baiano dissera ter pago R$ 2 milhões a Fábio Luis da Silva, o Lulinha. A revelação, de 11/10, foi amplamente reproduzida.

“O Estado de S. Paulo” registrou a correção em reportagem interna na segunda-feira, mas não na capa, onde havia destacado a notícia. Na Folha, a providência foi tomada só na edição de terça, atestando a falta de agilidade numa reparação sobre a qual não havia dúvidas. O registro ficou confinado à seção “Erramos”, e não houve matéria interna. (O nome de Lulinha nunca chegou a ser citado na capa do jornal, o que dispensava uma errata ali.)

Na mesma linha díspar, o “não era bem assim” da manchete sobre o governo Alckmin virou chamada no pé da “Primeira Página”. Internamente, a “denúncia” foi capa de “Cotidiano”; a correção, mal amarrada num texto defensivo e confuso, foi parar na última página.

Não é possível descartar que essas duas histórias possam ter chegado a um termo, se não ideal, ao menos razoável, pela importância dos personagens envolvidos, ambos com grande capacidade de pressão. Os meios de comunicação estão de cheios de erros e figuras menores que não merecem o mesmo cuidado.

O cenário é tanto pior quanto menor, mais distante, partidarizado ou regionalizado for o veículo. Parece não ter caído a ficha de que a correção não é uma liberalidade eventual nem pode variar de forma e tamanho ao sabor da ocasião; ela é contrapartida indissociável da responsabilidade (e do privilégio) de quem é pago para informar.

Sem essa consciência, é difícil defender sem reservas a autorregulação da mídia, ideal acalentado pelas entidades do setor. Seria apostar numa boa vontade que a maior parte de profissionais e meios não tem demonstrado, inclusive (ou principalmente) veículos que vivem de apontar os defeitos e o “monopólio da grande imprensa”.

A falta dessa consciência só leva água ao moinho dos que querem enquadrar a liberdade de informação –e a nova lei do direito de resposta traz itens exemplares dessas tentativas. O texto ainda vai dar muito pano para manga, não por suas qualidades, mas pelos defeitos.

Por fim, uma ressalva para reflexão: com todos os defeitos que tem, a Folha é o veículo que mais corrige informações (é o único que, além de ombudsman, mantém uma seção para isso) e o que mais dá espaço ao contraditório e a artigos de atingidos. São mecanismos adotados há décadas, num período de ouro em que o jornal lançou muitas inovações, depois assimiladas por outros veículos. Curiosamente, essas não tiveram o mesmo sucesso. É o caso de perguntar: por quê?