Acabo de assistir aos 37 segundos da primeira captação de imagens em movimento por meio de um invento chamado cinematógrafo.
Como quase todos sabemos, esse aparelho que revolucionou o mundo foi criado por dois irmãos franceses chamados Auguste e Louis Lumière, jovens dotados de curiosidade científica que trabalhavam para seu pai numa fábrica de placas sensíveis para a fotografia.
O aparelho concebido por esses irmãos, que tinha por objetivo captar imagens em movimento em uma película sensível, foi testado na fábrica familiar, situada no bairro de Montplaisir, um dos distritos históricos de Lyon, na França.
Para fazer aquele primeiro experimento, os Lumière montaram o dispositivo inovador na saída da fábrica paterna e gravaram o momento em que dezenas de operários –e um cachorro– saem do recinto industrial, que pode ser visto ao fundo, com seu teto de vigas de madeira, presume-se que coberto por telhas de cerâmica.
A gravação feita nesse dia de 1895 seria exibida em Paris no dia 28 de outubro do mesmo ano, e assim ficaria marcada para a história a data de exibição do primeiro filme rodado por aquele invento que há exatos 120 anos veio revolucionar a história da arte: o cinematógrafo.
Durante uma viagem recente de trabalho pela França, tive a oportunidade de visitar o lugar onde ficava a antiga fábrica Lumière, cenário do primeiro filme da história. Desde 1982 funciona ali o Instituto Lumière, dedicado à preservação do cinema e à apresentação de obras significativas dessa arte que nos permitiu fazer tantas viagens pelo mundo, conhecer tantas histórias, viver tantos sonhos.
Chegando ao instituto, a primeira coisa que surpreende o visitante é observar que, sob o teto atual, ainda estão no lugar as velhas vigas de madeira e parte do tablado do que foi o teto da fábrica dos Lumière. Parte do mesmo teto e dos suportes que podem ser vistos no filme rodado ali 120 anos atrás!
Muitos lugares privilegiados da natureza e muitas obras de arte são capazes de nos provocar forte emoção sensível e estética.
Eles geralmente nos comovem especialmente devido à relação que estabelecem com nossas sensibilidades e expectativas pessoais, forjadas por diversos conhecimentos e experiências.
Mas a possibilidade de estar no santuário cultural onde foi rodado o primeiro filme da história e me ver sob os restos do mesmo teto sob o qual estiveram aqueles personagens anônimos, simples operários, filmados pelos Lumière em 1895, me fez sentir que conheci um local mítico e mágico.
E que recebi um abraço de uma história que tem sido uma parte essencial da educação sentimental minha e de milhões e milhões de pessoas ao longo destes 120 anos durante os quais sonhamos no cinema e com o cinema, essa maravilha forjada sob um teto de madeira que ainda existe hoje no velho bairro de Montplaisir, em Lyon.
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Leonardo Padura é escritor e colunista da Folha de S.Paulo