Publicado originalmente no blog Histórias Mal Contadas
Por ter exercido o cargo de juiz federal por mais de vinte anos, por ser apontado pela opinião pública como símbolo do combate à corrupção com a Operação Lava Jato, por ser o autor da sentença que encarcerou o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP) por lavagem de dinheiro e corrupção. Ninguém, no Brasil, tem mais amigos ocupando postos estratégicos na Justiça Federal, na Polícia Federal (PF) e em órgãos de vigilância do governo federal, como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), do que Sergio Moro, ministro da Justiça e Segurança Pública do presidente Jair Bolsonaro (sem partido-RJ). Os contatos de Moro significam acesso a um volume e qualidade de informações que nenhum outro ministro já teve na história recente do país, nem mesmo o general Golbery do Couto e Silva, o teórico da doutrina da segurança nacional e um dos idealizadores do golpe militar que governou o país de 1964 a 1985.
Em qualquer governo do mundo, uma rede de informações como a de Moro significa poder. Na história, temos o caso, nos Estados Unidos, de J. Edgar Hoover (1895-1972), advogado e policial que modernizou e dirigiu o Federal Bureau of Investigation (FBI) durante três décadas, servindo a oito presidentes e dezoito secretários de Justiça. Há livros, filmes (sérios e de humor) e documentários sobre a carreira de Hoover. Todos destacam um ponto em comum: ele se mantinha no poder porque sabia o segredo de todos os americanos considerados importantes.
Qual uso Moro dará às informações que tem é um assunto que o futuro irá dizer. Mas o fato é que ele as tem. E nós, repórteres, sabemos do valor de uma informação de primeira linha. Vamos conversar sobre o que conhecemos de Moro. Na ocasião em que ele decidiu abandonar a carreira para virar ministro de Bolsonaro, publiquei o post “O choro das viúvas do juiz Sergio Moro nas redações é ensurdecedor”. Lembrava os colegas que Moro se tornaria ministro depois de condenar o principal adversário de Bolsonaro na corrida presidencial, Lula.
Em meados do ano passado, o site The Intercept Brasil começou a publicar conversas ilegais feitas pelo aplicativo Telegram entre o então juiz Moro e os procuradores da República na Lava Jato, principalmente o coordenador da operação, Deltan Dallagnol. Posteriormente, a Folha de S.Paulo, que tem uma parceria com o site, revelou conchavos de jornalistas com os procuradores da Lava Jato. Analisando todas as informações publicadas pelo The Intercept, percebe-se que elas foram disparadas pelo então juiz e os procuradores com a precisão de um experiente sniper, atingindo alvos políticos específicos e adversários da operação. Era crença entre nós, jornalistas, que esses disparos eram feitos para beneficiar a então candidatura de Bolsonaro. Lembro que, logo que estourou o rolo das denúncias do Intercept, demos grande destaque para o apoio do presidente da República ao seu ministro da Justiça.
A coisa não é bem assim, como parece. Primeiro que os vazamentos seletivos da Lava Jato não tinham como objetivo principal fortalecer a candidatura Bolsonaro, mas fortalecer a imagem de Moro. Mais ainda: hoje, não é o presidente que tem o destino do ministro da Justiça nas mãos. É Moro que tem o destino do presidente nas suas. Por quê? Simples. Jamais, mesmo nos mais loucos sonhos, o então deputado federal pelo Rio de Janeiro, o capitão reformado do Exército Jair Messias Bolsonaro, imaginou ser eleito presidente da República. Ele era um deputado do chamado “baixo clero” que nos rendia manchetes com suas posições exóticas, tipo enaltecer a imagem de torturadores dos governos militares. Ao virar presidente, tudo que Bolsonaro e os seus três filhos fizeram se tornou importante. Não por outro motivo que seu filho Flavio, senador pelo Rio de Janeiro, está enrolado com a Justiça pela prática de “rachadinha” – exigir de funcionários do gabinete a devolução de parte do salário – na época em que era deputado estadual.
Moro sabe toda a história da família Bolsonaro. Aliás, não foi por outro motivo que o presidente aprovou a lei do juiz de garantias, contrariando o parecer do seu ministro da Justiça – há matérias na internet. Hoover usou o poder que lhe era dado pelo acesso a informações privilegiadas para garantir seu posto no FBI. Moro ainda não definiu como irá usá-las. Por hora, contenta-se em deixar claro, inclusive para o presidente, que “sabe das coisas”. E, principalmente, que tem uma rede de divulgação que garante que elas cheguem aos seus alvos, com a precisão de um experiente sniper, como acontecia nos tempos da Lava Jato. Seja lá qual for o destino de Moro em 2020, o certo é que ele não “prega prego sem estopa” – dito popular usado para definir uma pessoa cuidadosa. Nós, repórteres, temos que ter isso bem claro para não escrevermos bobagens para os nossos leitores. Aliás, um dos motivos do contínuo fluxo de fuga de leitores dos jornais é o elevado número de bobagens que temos publicados em nossos conteúdos. É simples assim.
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Carlos Wagner é jornalista.