Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A crônica da corrupção

Os jornais paulistas finalmente resolveram investigar a denúncia de pagamento de propinas a deputados estaduais para aprovação de emendas ao orçamento. Um dos casos mais promissores envolve o ex-deputado José Antonio Bruno, do partido Democratas, ex-integrante da igreja Renascer e um dos dirigentes de uma seita intitulada Casa da Rocha. Dono de emissoras de rádio e televisão em São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Santa Catarina, ele foi o fundador da Associação de Comunicação Brasileira Cristã e está ligado também a empresa de eventos que promove apresentações de bandas gospel.

José Bruno diz que as acusações são parte de uma vingança de dirigentes da Renascer, que ele abandonou após 17 anos para fundar seu próprio negócio. O ex-deputado, que foi acusado diretamente por assessores da Assembléia Legislativa de haver recebido envelopes com dinheiro, chama seus ex-irmãos da Renascer de “ratos”, o que dá uma idéia da qualidade desses empreendimentos travestidos de religião.

Entidades ligadas a essas seitas se beneficiam de privilégios fiscais e raramente são investigadas, justamente por sua influência nas instituições públicas. Somente esse aspecto do escândalo na Assembléia paulista já merece uma linha especial de investigação jornalística, sem a qual as autoridades policiais parecem estranhamente alienadas. Mas os jornais apenas começaram a se interessar pelo assunto, que pode render muito mais revelações, como a suspeita de pirataria e lavagem de dinheiro no exterior.

As atividades ilegais de parlamentares ligados a seitas evangélicas são propositadamente misturadas a entidades supostamente idôneas compostas por políticos, empresários, autoridades policiais e até magistrados. Trata-se, portanto, de um emaranhado que os jornais terão dificuldade de desenrolar.

Uma dessas entidades, a Fenasp – Fórum Evangélico Nacional de Ação Social e Política, foi utilizada na campanha eleitoral do ano passado para atacar a candidata do PT Dilma Rousseff, afinal eleita presidente.

Seus integrantes participaram ativamente da campanha contra a legalização do aborto e se opõem ao movimento de combate à homofobia. Um dos mais destacados entre eles, o pastor Silas Malafaia.

Operação Mãos Limpas

Esse é apenas o fio da meada que começa no ex-deputado José Bruno. Segundo o principal denunciante do esquema de propinas, deputado Roque Barbiere, do PTB, muitos parlamentares se comportam como verdadeiros “camelôs” de emendas ao orçamento. Ele aparece em entrevistas no Estado de S.Paulo e na Folha de S.Paulo, nas edições de quarta-feira (5/10), afirmando que já havia denunciado o esquema a pelo menos dois secretários estaduais, sem qualquer resultado, e resolveu procurar a imprensa.

Muito provavelmente o denunciante também encontrou dificuldades para levar o caso aos grandes jornais, e preferiu fazer as revelações primeiramente a um jornal do interior, a Folha da Região, de Araçatuba. A chamada grande imprensa demorou pelo menos um mês para descobrir essa pauta.

A partir do caso paulista, a chamada grande imprensa parece ter descoberto que existe corrupção fora de Brasília. A Folha de S.Paulo, por exemplo, dá espaço para uma fraude na Assembléia Legislativa do Paraná, onde correm duas investigações criminais contra o ex-diretor geral, Adib Miguel, sob acusação de haver desviado cerca de R$ 100 milhões em contratos de funcionários fantasmas.

Segundo a Folha, os processos estão suspensos porque o réu alegou estar sofrendo de insanidade temporária. Ele é suspeito de chefiar uma quadrilha que tem funcionado por cerca de vinte anos no Legislativo paranaense, sem nunca ter sido incomodado. Miguel responde por uma lista de crimes que inclui peculato e formação de quadrilha, além de cinco ações civis por improbidade administrativa.

No Globo, o noticiário que começa na editoria de Esportes, com o acompanhamento da remoção de favelas para a construção de infraestrutura para a Copa do Mundo e as Olimpíadas, termina na crônica policial, com a descoberta de que as ocupações irregulares foram organizadas por milícias, comandadas por policiais e políticos.

Assim, com um pouquinho mais de empenho na investigação jornalística, chega-se ao ponto em que parlamentares ligados a policiais corruptos aproveitam o plano de combate ao narcotráfico para se estabelecer no negócio de exploração da miséria.

Para encurtar caminho, está na hora de a imprensa começar a discutir a criação, no Brasil, de uma Operação Mãos Limpas, como a que derrubou a máfia na Itália.

 

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