Reportagens de fôlego, capas marcantes, diagramação moderna e, muitas vezes, nada convencional. Equipe jovem, chefes comprometidos, profissionais valorizados. Durante boa parte dos 46 anos em que chegou às bancas de São Paulo, foram esses os elementos que fizeram do Jornal da Tarde um marco na história do jornalismo brasileiro.
A trajetória do veículo – do surgimento, em 1966, à última edição, em 2012 – é contada em detalhes pelo jornalista Ferdinando Casagrande em Jornal da Tarde – Uma ousadia que reinventou a imprensa brasileira (Record, 364 páginas, R$ 52,90), livro que chega à primeira edição impressa depois de ter sido lançado em versão digital. Na noite de autógrafos, marcada para segunda-feira, dia 25, a partir das 19h na Livraria da Vila (Rua Fradique Coutinho, 915, Vila Madalena, São Paulo), o autor participa de um bate-papo com Valdir Sanches e Carmo Chaga, antigos colegas de JT.
Quatro capítulos do livro, com acontecidos ocorridos durante o período da ditadura militar no Brasil, foram publicados em abril e maio pelo Observatório da Imprensa: capítulo 20 (atentado ao jornal e congresso da UNE em Ibiúna), capítulo 21 (a chegada da censura ao jornal), capítulo 25 (censores dentro da redação) e capítulo 26 (como cozinhar a censura).
Em uma breve entrevista por e-mail, Casagrande falou sobre a importância do Jornal da Tarde para a história da imprensa brasileira e as inspirações deixadas por seu legado para as redações atuais.
Por que você decidiu escrever uma “biografia” do Jornal da Tarde?
O Jornal da Tarde foi um título fundamental na história do jornalismo brasileiro. Um divisor de águas, mesmo. Eu achei importante resgatar essa memória porque, na minha opinião, as inovações trazidas pelo JT abriram o caminho para o jornalismo moderno, feito da maneira como conhecemos hoje. Essa trajetória não poderia ficar restrita às lembranças daqueles que viveram aquela transformação. O JT, como um título que quebrou todos os paradigmas existentes até então, deve ser estudado pela nova geração de comunicadores que têm, pela frente, o imenso trabalho de reinventar o jornalismo.
Em sua opinião, quais foram as principais inovações estabelecidas pelo JT na imprensa brasileira?
As pessoas em geral se lembram de que ele era inovador na apresentação gráfica, o que é verdade. Mas não era só isso. Capitaneados por Mino Carta e por Murilo Felisberto, os jovens mineiros que se reuniram ali para fundar aquele jornal reinventaram a maneira como se reportava notícias no Brasil. Não só do ponto de vista da apuração, que buscava sempre novos ângulos de observação e tentava se descolar do relato oficial, mas também na maneira de escrevê-las. O Jornal da Tarde nos liberou da pauta ditada pelas autoridades oficiais, das construções e do vocabulário arcaico da língua portuguesa que ainda ditavam a tônica nos jornais tradicionais. Ele trouxe para as páginas impressas o mundo em que as pessoas viviam, narrado no português que se falava nas ruas. O livro traz vários exemplos disso. Depois dele, a imprensa nunca mais foi a mesma.
Ainda existe espaço, na imprensa de hoje, para inovações como as que foram promovidas pelo JT?
A imprensa está passando por uma profunda transformação, a começar pelo fato de que, provavelmente, muito em breve ela não será mais impressa em papel. Os saudosistas enxergam nisso um problema e eu não tiro deles esse direito. Mas acredito que estamos num momento muito fértil para inovações. Só que é preciso pensar fora da caixa – como faziam os jovens que criaram o Jornal da Tarde. Precisamos reinventar a maneira como nos comunicamos e, principalmente, entender qual é a necessidade da nova geração de consumidores de notícias. Muitos reagem: “As pessoas não querem mais comprar informação”. Pois eu respondo que, no momento em que entendermos a necessidade dos novos leitores e criarmos uma nova forma de transmissão de notícias que atenda a essa necessidade, as pessoas estarão dispostas a pagar por isso. Um bom exemplo é o da Netflix. Os caras mostram os mesmos filmes e séries que as pessoas estavam acostumadas a assistir desde os anos 1960 na TV convencional. Mas eles enxergaram uma necessidade da nova geração: o poder de decisão. Antes, as pessoas assistiam passivamente ao que a emissora transmitia, no horário em que ela transmitia, e ainda com as pausas para os comerciais. Hoje, elas querem decidir o que vão assistir e quando vão assistir. É isso o que a Netflix vende para seus assinantes. E eles pagam felizes por esse pequeno poder.
O que a experiência do JT pode ensinar às redações atuais?
A equipe que criou o JT em 1966 entendeu que os leitores jovens queriam ver, nas páginas do jornal, o mundo em que viviam. Eles queriam ler sobre a MPB, sobre a Jovem Guarda; queriam dicas de restaurantes, de filmes e peças de teatro; queriam saber sobre quem eram os fabricantes e como funcionavam os motores dos carros que os encantavam nas corridas de Fórmula-1. E nada disso estava nas páginas dos outros jornais, porque era considerado vulgar, ou publicitário. O JT entendeu essa necessidade e surfou sozinho nessa faixa por, pelo menos, quinze anos, quando o que eles criaram ali se transformaria em padrão em todos os jornais. Então, acredito que a experiência do JT tem muito a ensinar, porque ele foi um título disruptivo. Ele desconstruiu um modelo consagrado e triunfou. Quer mais inspiração para para quem está preocupado em conquistar novos leitores?
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Gabriela Erbetta é jornalista e tradutora.